
CAPÍTULO 1
A ABSOLUTA URGÊNCIA DO AGORA
O telefone de Yosef está ocupado e Moses não pegou o número do celular dele. Aliás, o fato de Moses não saber nem manejar um aparelho de celular serve de justificativa para a falta de interesse em tal código. A idéia era passar ao amigo o imprevisto que havia surgido, graças aquele convite de Aizaiah, gerando a possibilidade da não-presença do herdeiro Debiega na Praça à noite. Moses regressou à loja (ao térreo) e chamou seu auxiliar para contar o que, outrora, seus colegas estavam combinando sobre a festa de caráter mais superficial que o surpreendente jantar:
- Aizaiah, eu tentei falar agora a pouco com um amigo meu a respeito do jantar... Porque eu pretendia ir à festa na Praça Rozendo, você sabe...
- Eu te falei que a reunião lá em casa será só às dez e meia da noite? – Aizaiah perguntou com um tom tão despretensioso que provavelmente, por vontade dele, tanto faria se Moses fosse a sua casa ou não fosse. Informar à Moses que poderia comer em sua casa e ver a família Codi fora uma missão que a sua avó o incumbiu.
O “patrão” captou a mensagem interrogativa morna de Aizaiah como se a frase, nua e crua, já orientasse uma decisão simples: “Se você quiser ir, vá; Se não quiser, ninguém vai obrigar”. Só não quis iniciar uma conversa prejudicial aos dois pelo simples caminho que se abriu. Agora estava viável bancar o social e visitar os conhecidos das épocas pueris. Não lembrava como era a fisionomia dos pais de Aizaiah, muito menos se o velho dele tivera aparecido na Youkoloko após a morte de Derek. Certamente, ter um flashback de memórias inativas, quando sua própria vida não anda pelo trajeto mais empolgante do mundo, parecia uma grande pedida. O Sol se pôs e Moses tratou de tomar um banho demorado, colocar a melhor roupa (segundo ele mesmo) e passar perfume. O encontro com Yosef, Win, e quem eles carregariam para curtir o lugar, seria às nove; dessa maneira, Moses dispõe de uma hora e meia a fim de “chegar junto” em Sabrina e de todo o apoio dos seus amigos para atingir esse feito; Um suporte espetacular de fornecer piadas sobre a conduta de Moses (ou Sabrina) durante a conversa e as fofocas de tal encontro pós-evento - tudo numa posição saudavelmente afastada do garoto e de seu alvo, claro. Aizaiah já tinha sido dispensado do expediente, e fechado o estabelecimento, dando antes a confirmação do seu endereço à Moses. A casa dos Codi situava-se seis quadras ao norte da Youkoloko, deixando o convidado concluir, pelo mapinha rabiscado por Aizaiah num pedaço de papel, que ficava a menos de dois quilômetros da Praça. Por um instante, Moses mentalmente visualizou que esse atribulado final da sua sexta-feira parecia ser fruto de uma conspiração organizada pelo tempo, pelo espaço e pela associação de moradores de Justine. Que imaginação! Moses largou de mão seus devaneios e foi repor logo a comida dos hamsters... Com tudo certo dentro da loja – não contando os velhos problemas das paredes verde musgo descascando e minúsculas infiltrações – Moses saiu pela divisa do portão e encarou a escuridão crescente do céu. Estranhamente, a noite pareceu ter aparentado vontade de retribuir o olhar cuidadoso do rapaz para ela, exibindo, acontecimento logicamente incomum no meio urbano, várias estrelas cintilantes diante dele. Caramba, até o cosmos estaria envolvido numa conspiração?
Chegando perto da Praça, tudo o que os olhos de Moses absorveram foram luzes coloridas. A comprida Rua Rozendo estava enfeitada com muitas faixas vermelhas cuja face e frases do religioso apareciam emanando toda a dignidade dele, que era conferida ao padre pelos livros didáticos de história, e com fitas, crucifixos... Todo um aparato capaz de ambientar uma via pública igual a uma Igreja em períodos de celebração. Ao fim da Rua, o largo circular (um lago aterrado) que constituía a Praça, propriamente, perdera visualmente sua forma: Dezenas de barracas anunciando salgados, doces e bebidas ocupavam os pontos periféricos do lugar; e indicavam que não ficaria apinhado apenas de pessoas com barrigas vazias. No centro da Praça, havia uma estrutura armada e instrumentos musicais reluzentes (“tomara que a banda do show não seja ruim” – pensou por um segundo Moses), porém não iluminava tanto quanto as novas lâmpadas dos postes num raio de cem metros – medida do diâmetro da Praça – que exibiam e coreografavam tons de azul, verde, laranja e vermelho ao longo do evento e divertia desde as crianças de colo até os senhores que, praticamente, moravam naquelas mesinhas de xadrez da Praça e, no momento, estavam nos bares das duas esquinas tangenciais ao círculo. O número de pessoas no evento aumentava e o espaço diminuía a cada minuto, Moses partiu para o bar da direita (bar de clientela formada por uma quantidade menor de idosos) e apurou a vista para analisar todas as mesas. Geralmente quando Yosef arrumava-se melhor; passava gel no cabelo e apresentava roupas chiques e bem passadas, nada a ver com o look dele normal na faculdade - de cabelo afro, óculos grandes e camisas largadas – e Win, bem... Quando ele queria impressionar a sociedade colocava uma blusa tão colada que, tacitamente, seus amigos podiam enxergar o seu estômago tremendo e até vestígios dos movimentos peristálticos. Apesar de possuir mais informação para achá-los, Debiega não os achou, e sim a “galera” mesmo que o viu primeiro:
- E olha o cara aí! Estamos aqui, Moses! Chega mais! – gritou Yosef, acenando com a mão como se ela fosse um ímã irresistível de atração humana.
Moses abaixou a cabeça e caminhou a passos vagarosos até o (seu) grupo de três pessoas: Além do banco vago, estavam lá Yosef, Win e um garoto de pele morena aparentemente mal-encarado, com um olhar perfurante em cima de Moses; Vestia jeans adornado de uma corrente dourada na lateral, camisa branca colada e cabelo raspado... Seria facilmente confundido com um dançarino de rua no subúrbio da cidade. Moses sentou-se e esperou os “ataques”:
- E aí, já viu a Sabrina cara? Já viu a Sabrina cara? Já viu a Sabrina, cara? – Win parecia um porquinho da Índia ávido por um pedaço de cenoura.
- Deixe-me chegar primeiro, rapaz... Eu tinha de ver vocês aqui antes de tudo, não é? – Os três olhavam para Moses como se ele fosse um dos ratos de laboratório nas aulas da faculdade, analisando-o, comparando sua carcaça com o porte de modelo de Sabrina... Para checar se ele era mesmo merecedor de tanto.
- De qualquer modo, podia ter dado uma olhadinha nos cantos da Praça, não é cara? – Yosef replicou, antecipando-se a um comentário que Win estava pronto a desferir.
- Tá, tá... Não vai me apresentar o seu amigo aí, Win? – Improvisou Moses para mudar de assunto por uns minutos.
- Ah sim, esse aqui é o Dylan. Nós nos conhecemos através do Nokeysa. – Win indicou o garoto “suburbano” com a cabeça, indicando que ele estendesse a mão para o “prometido” de Sabrina cumprimentá-lo.
Mexer nos serviços do Nokeysa tratava-se do passatempo mais utilizado pelas pessoas no mundo inteiro, quando dentro do mundo da Internet. Bastava um microcomputador conectado a rede e uma conta de e-mail para acessar um portal que agia como uma imensa comunidade humano-cibernética. Do ponto de vista social, o Nokeysa nasceu a fim de servir como uma ferramenta de fácil manuseio (pela sua estrutura simples usando links), capaz de apresentar candidatos a novos amigos de forma muito dinâmica, para o pessoal mais solitário, e reforçar os elos com os velhos companheiros e outras pessoas – desconhecidas aparentemente - com os mesmos gostos (ou desgostos) do usuário: Há grupos de discussão dentro das várias comunidades no “portal azul bebê”, fornecendo uma gama de conhecimento sobre músicas, livros, filmes, política e, principalmente, opiniões pessoais dos internautas a respeito de qualquer tema abordado. Muita gente já tinha iniciado um romance por ter conhecido alguém nos caminhos do Nokeysa (mesmo que o computador do amado/amada estivesse a quilômetros de distância). O aspecto físico/geográfico não influencia negativamente o portal... A Internet também é um meio comunicativo acima desses detalhes técnicos. Moses estava lá, Yosef também; e Win mostrou que estava um passo a frente dos dois em matéria de “novos contatos”:
- Quando eu falei que iria rolar a festa do Rozendo hoje, ele nem pensou duas vezes! Hahaha! Não é, Dylan?
- Tá ligado... Cara, eu já estava no pedaço (leia-se: Justine) por causa do meu serviço e resolvi ficar por aqui mesmo. Oras bolas, não é todo dia que tem uma festança dessas... Hehe – e forçou um sorrisinho amigável diante de Yosef e Moses. Porém, por mais que já tivesse notado que a presença chata do seu “novo amigo” Win - falando no seu cangote - fosse frustrante e irritante, ele sabia que suas chances de desenvolver uma conversa interessante com dois universitários sérios eram demasiadamente baixas.
- Ei, mano... Fala aí no que você trabalha para eles!... Aí, manda outro chopinho! – Win cutucou o ombro de Dylan e as costas da garçonete com a mesma força de elefante. O amigo do Nokeysa, que se via distraído pela beleza da atendente, não contava com outra saída a não ser falar:
- Eu sou Office-boy de uma empresa... Viro onze horas por dia indo de um lado para o outro, é legal porque conheço as regiões e os atalhos da cidade. E hoje, vim aqui nesses lados para pegar um documento que não foi legitimado... Então, tirei folga com autorização do chefe hehe.
Finalmente Moses começou a pensar em algo, naquela dimensão social que o convocou, diferente de Sabrina e dos sentimentos dela... Dylan era perspicaz e energúmeno ao mesmo tempo, aquela conclusão servia a uma construção paradoxal e para uma tese notável: A ignorância alheia não é explicada por ele ter um cargo subalterno num trabalho ou nem por achar afinidade alguma com o sujeito, alienado assim como Win, através da Internet. Veio na descrição de seus atos através do jeito de abrir a boca. Dylan não passa de um cara acomodado ao extremo; um homem que deve morar mal (“vim aqui nesses lados”) por morar bem longe de Justine (zona central), sofrer deveras devido ao excesso de tarefas (“onze horas por dia de um lado para o outro”) e ganhar um magro salário pelos serviços prestados (“... é legal porque conheço as regiões...”). Entretanto – na linguagem possivelmente favorita do “protagonista” Dylan – não largava o osso. O tipo de homem que não gostava de estudar, quando criança, levava críticas dos pais por causa da inadimplência escolar e pela preguiça – daí a necessidade de obter um emprego – e devia imaginar que a vida resumia-se em ganhar dinheiro para adquirir o celular/carro/relógio da moda e, não menos importante (mesmo), usá-lo de ímã para atrair as “fêmeas”. Por via das dúvidas, Moses oportunamente soltou uma pergunta clichê de quando se conhece alguém, no mínimo, intrigante:
- Dylan, em que bairro você mora?
- Eu? Moro perto de Medellia, no bairro de Tenbrennan... Conhece? – O garoto devolveu a pergunta até com certa dose de atenção, coisa que Moses “esqueceu”.
- Não, não. Só de nome, só de nome.
Explicado. Tenbrennan, além do nome intrincado, indicava uma das zonas de acesso mais difíceis de toda a metrópole de Meladori. Medellia estava muito mais perto de Justine do que aquele bairro. De tanto que o sentido de “subúrbio” exercia poder sobre essa localidade, ela situava-se nos limites de fronteira municipal! Moses acertou em cheio seus (pré) conceitos sobre o jovem Office-boy. Internamente, passou a fazer autocrítica... Desde quando adotava uma postura tão analista/desconfiada com pessoas desconhecidas? De gente sistemática para desestabilizar o planeta, apenas a Rub...
Antes de dar corda a qualquer raciocínio socio-psico-metafísico que pudesse congestionar sua mente, e permitir a saída de uma lágrima criminosa, Moses pediu licença a Yosef, Win e Dylan a fim de ir ao banheiro. Sabrina aparecer no campo de visão do pessoal seria questão de poucos minutos; e isso tornava a “fuga” uma atitude criminosa também, pois matava dois coelhos com uma cajadada só...
Por dez minutos, ele tomou uma dose de liberdade (com aroma de pinho) do meio social, depois retornou. Ficar mais que cinco minutos no toalete masculino sempre foi, sempre é e sempre será esquisito; Todavia, os três rapazes olhavam atentamente, pela janela inexistente do botequim, para um grupo de meninas que cochichavam avidamente. Moses entendeu que elas eram o alvo das seis córneas porque Win, como de praxe, estava apontando que nem um macaco de zoológico para um garotinho visitante com uma banana na mão. E mostrou-se mais tranquilo... Acomodou-se na cadeira sem que ninguém começasse a segunda bateria da “Temporada de Caça à Sabrina”.
- Que mina maravilhosa, meu Deus! – Por sorte, Win estava falando baixinho apenas para os outros dois gaviões, sinal de que não havia bebido tanto (ainda).
- Demais mesmo, cara... Nunca as vi pela área, acho que não moram por aqui... – Comentou Yosef, que adorava fazer uma corrida pelas ruas de Justine à noite e não perdia a oportunidade de fazer “novas amigas” pessoalmente.
Moses, escutando tudo que o grupo murmurava, sentiu-se tentado a levantar a coluna e procurar avistar as meninas tão badaladas. Quando realizou a façanha, pôde ouvir Yosef dizendo despreocupadamente:
- Aquela mais alta se produziu que nem a Sabrina para vir! Mas está dando de dez nela!
Até a entrada do bar ficou pequena para o tamanho nervosismo de Moses. Sabrina está presente em algum lugar da festiva Praça, e em nenhuma outra etapa anterior de sua vida ele ia visualizar a imagem daquele bar sujo e mal freqüentado como o abrigo mais eficiente do mundo – ou, no mínimo, a porção de mundo que cabia num raio de mil e quinhentos metros. Suas sinapses em cinco segundos elaboraram uns cinco planos destinados a impedir o iminente contato com o Furacão; todos caíram por terra. Moses usou uma prematura idéia, concebida em um centésimo de segundo num ponto consciente de seu cérebro, para manter os ânimos da (sua) audiência estáveis:
- Turma, eu acho que vi um freguês antigo lá da Youko, que faz tempo que não vai...
- Opa, você voltou?! De jeito nenhum! Vai atrás da Sabrina que ela já está no pedaço! Ah, claro, troca uma idéia com essa pessoa aí antes... E depois vai para o combate! – Win começou a ordenar antes mesmo de virar-se para ver Moses as suas costas. O giro de sua carcaça guiou a de Yosef, que só apoiou a declaração do pedante acenando positivamente a cabeça.
Não havia escapatória: Moses teria que se encontrar com Sabrina mesmo. Seu interesse particular beirava uns dez por cento, mas os espectadores já haviam pagado o ingresso do show com os copos de chope. A repercussão do espetáculo propagar-se-ia em Pindorama integralmente durante a próxima semana letiva... Seria o assunto mais importante para o andamento da Instituição desde o caso do Reitor com a filha do professor de Química Analítica, encerrado por uma bela briga entre os docentes no meio do campus, que se desgastou após três semanas de muita lenha numa fogueira borbulhante. Quando se vai comer o pão que o diabo amassa, é incrível ver quanta gente se oferece para assá-lo!
- Certo, certo! Não é preciso vir atrás de mim até avistar a Sabrina. Estou saindo... – Moses achou bem melhor cortar logo o pezinho de Win, que se moveu em direção a ele, a fim de empurrá-lo para fora do bar, antes que o ato fosse consumado. A paciência com o balofinho tinha um limite até para ele, e seu jeito de velho tratou de incomodá-lo nesta dedução.
Perante aquela sensação rara, do dever para cumprir sem estímulo o suficiente, o dono da Youkoloko mediu com os olhos a distância entre as duas esquinas adjacentes à Praça. Torcia para que encontrasse Sabrina e a contemplasse por algum longo minuto; Desse jeito, finalmente decidiria se a estudante merecia agüentar ele, e o seu bafo, numa noite tão bela, Moses Debiega sabia que o problema daquilo o que rolou, do que está rolando, e do que irá rolar não se referia meramente a “bola” de Moses Debiega ao sexo oposto... A bola que Sabrina dava para ele agregava um brilho largamente cobiçado – seguindo uma linha de pensamento machista.
- EI, MOSES! OLHA LÁ!
Verdade. Verdade dupla: Não existia sujeito tão inconveniente quanto Win num raio de quarenta mil quilômetros... E que Sabrina estava bem perto do Youko naquele crucial instante. Deslumbrante como nunca, o Furacão previu a ação locomotora do veterinário e cochichou algo ao pé do ouvido para as duas amigas que a escoltavam... Bastou o olhar direto após as risadinhas e os empurrõezinhos para Moses gelar; se ela vinha avançando até Moses, ele não poderia cogitar a hipótese de virar as costas ou de recuar um milímetro seus pés. Afinal, a platéia presente não iria perdoar! Sinapses, sinapses... Moses não tinha idéia de que a adrenalina exercia pressões negativas no organismo inteiro, as aulas de biologia não estavam abrangentes o suficiente... Sabrina lançou um olhar mais do que amistoso antes que ele pudesse se espantar com a rápida aproximação dela.
- Então, você veio mesmo, Mô? – Sabrina emendou essas palavras durante o intervalo dos dois beijos na bochecha de Moses.
“Mô”? Pela primeira vez na noite, Moses achou graça em alguma coisa. E é impossível rir de Sabrina: Maquiagem leve no rosto, rimando perfeitamente com um mini-short e uma blusa solta prateada (frente única?) deixando um par de ombros, perfeitos, livres para a curtição. A mais bela do evento, de longe. “Mô” imaginou que se o Padre Rozendo estivesse vivo, ia amarrar um crucifixo em volta do pescoço da bela e rezar trocentas ave-marias, dando duas voltas nas continhas do rosário, até Jesus tirar o pecado armazenado daquele corpo...
Privilegiado.
- Pu-puxa... Que bonita você está... Sa-sab...
Ih, ele emperrou a fala até na hora de dizer o nome:
- Huumm... Hahaha! Que amor... Ninguém nunca me chamou de “Sa”, hehe.
Sabrina está tão a fim do garoto que qualquer veneno que ele prepare, ela o tomaria como chocolate quente no Pólo Sul no ato. Para Moses, o cenário não batia com o trágico fim da novela que vinha estrelando – aliás, da minissérie – cujos protagonistas não nasceram para ficarem juntos. E, como consequência, não iriam morrer não se ficassem também. Moses nunca torceu tanto para que Sabrina criptografasse sua cara envergonhada e finalizasse toda aquela ceninha com um exaustivo bofetão no seu rosto ou o famoso “você é patético”. Diretamente, as probabilidades de Sabrina – e toda sua beleza reformulada – “virar a noite” ao lado do veterinário e nem pensar em conversar com mais nenhum garoto, dentre os presentes que a “secavam” ali na área, era mínima.
- Daqui a pouquinho, a Sinopse vai tocar ali no palco principal... Vamos ver o show juntos? – Improvisou o Furacão, reanimando a conversa.
- Hã? É a Sinopse que vai tocar ali?
Sinopse seria uma banda de rock - nas palavras dos próprios integrantes - recém-formada e recém-novata no primeiro lugar das rádios, que, pasmem, Moses apresentava um conhecimento vago sobre sua trajetória (justo ele; nunca ligado em música), já que, num passado muito recente, Aizaiah chegou à YL com um caderno do jornal Dial onde o quinteto de músicos figurava na página central. Nesse dia, Aizaiah ficou ligeiramente irritado em vista de toda a amostra de elogios desferidos, ao grupo “desses mauricinhos estúpidos”, ao longo do texto, para entreter os leitores assíduos do Dial – No caso da matéria em si, os viciados em música como Aizaiah.
- Sim, fala sério né, Mô? O novo som deles, acho que se chama “Altos Agitos”, é muito bom! Pela primeira vez a banda toca de graça, e nós vamos conferir eles tocando essa e as outras duas que estouraram! Ah não, vai ser demais... Estou indo pro palco e você vem comigo, vem!
- Mas, Sabrina... Tem que ser assim?...
- Hã?
- Opa... Desculpa. Digo...
Não tinha jeito de tirar a prensa hidráulica que estava esmagando o cérebro de Moses naquele instante; Se não bastasse não ter planos para dispensar Sabrina, a possibilidade de ver um grupo musical cujos membros se vestiam como filhotinhos mimados de poodles foi assustadoramente vislumbrada por ele... Pelo visto, Codi injetou-lhe uma solução ideal de repulsa a música ruim. A questão é... Convencer o furacão Sabrina a não ir para o gargarejo (centro da Praça), cujo espaço livre estava diminuindo gradativamente graças a um ônibus cheio de menininhas – e alguns garotinhos magrelos - que acabara de chegar ao “templo” do Padre Rozendo.
- É que... Essa banda Sinopse não faz uma trilha sonora propícia para acomodar o que eu queria te dizer.
E Moses sentiu uma cócega dolorosa no estômago; um golpe premonitório do que ocorreria, logo após a sua frase, foi concretizada através do rosto ruborizado de Sabrina:
- Me dizer?!... Dizer-me o quê?... Digo, o quê exatamente, Mô?... – a garota não conseguiu disfarçar sua empolgação - ou sua surpresa – com a declaração do rapaz apenas olhando para os lados de forma inquietante. Truque melhor seria uma boa risada sobre qualquer bobagem corriqueira numa Praça à noite, como olhar um velho discutindo, exaltado, uma trapaça no jogo de buraco ou um mendigo escondendo o último biscoito recheado, de um pacote furtado, do menino de rua malabarista.
- Vamos para lá. – apontou Moses para o nordeste.
Aquele ponto da bússola indicava a escadaria para o seminário (desativado) que o Padre Rozendo passara praticamente toda a sua juventude. Porém, antes do primeiro degrau, o contorno da calçada era bastante largo e gangorras decoravam toda sua extensão. Devido à pujança artística da Sinopse já figurar no universo infanto-juvenil, não tinha nenhuma criança brincando nas tábuas.
Um palco adaptável às reais intenções de Moses e Sabrina.
- Então, Mô... Qual... O problema? – Sabrina exibia nem um pingo de ansiedade...
O garoto a olhou como se acabasse de ter sido ordenado, por uma “força maligna”, para pendurar Sabrina num mastro bem grande utilizando uma corda banhada em álcool. E, não devendo ficar mais grave, o carrasco Moses iria ainda cantar o hino nacional ao término da “solenidade”.
- Meu Deus, eu quero demais saber como é o seu b... Ai! Nossa... O que você vai me dizer. - Ah, Sabrina... Se Moses fosse um tarado...
- Veja bem, Sabrina... É especial para eu estar com você esta noite, a-a-ainda mais eu já estando ciente do seu in...
"VOCÊ JUNTO A MIM, BABY! VOCÊ AGITA BABY! E JUNTOS ASSIM NOS DAREMOS..."
Esse som ecoou forte no aparelho auditivo, e em todo no sistema nervoso, do pseudo casal encostado num escorregador. O celular do Furacão era o artigo mais colorido que o garoto já vira antes: A começar pela capa de proteção, cujo bibelô tinha 10 centímetros e seria um chaveiro - para as pessoas mais práticas. Mas o aparelho também não ficava atrás... Adesivos colantes na parte externa e esmalte - com um tom azul de safira - decorando as teclas numéricas internamente; Sabrina vislumbrou o visorzinho do telefone (preenchido por "Mamãe!") e, deixando Moses perplexo de vez, iniciou a dar pulinhos tímidos e abanando os punhos! Movimentos que amenizaram a careta, daquelas de quem vai chorar, nascendo no formoso rosto da moça.
- Ai, ai... Não! Não! Mô... Dê-me só um minutinho, por favor? Essa merd... Essa ligação é importante, é rapidinho! É rapidinho! Eu juro.
- Hã... Claro que sim, Sabrina, claro. Atenda.
O Furacão riu e desatou a andar para longe de Moses; uma mão segurando o celular e a outra dando tapas no vento em polvorosa: Sabrina ficara irritada com a mãe, por interromper aquele instante tão aguardado, e o garoto, incrédulo, começou a comparar os trejeitos incomuns da menina - vistos nos últimos segundos - com os de Win. Felizmente, caiu em si outra vez e preferiu rodear os brinquedos, absorto.
Sem raciocinar por um "minutinho" foi interpretado como um favor que Sabrina fez a ele; assim, depois que Moses retornou a assimilar vozes femininas na festa, soube exatamente como recapitular a conversa com a nutricionista. Ergueu a cabeça para frente, esperando ver Sabrina a um palmo de distância, mas enganara-se... Surgiu outra menina perto do escorregador: Cabelos não muito longos, olhos pequenos, meio ferinos, e um corpo imaturo. Era esse o vulto principal no horizonte de Moses quando, por uma atração sorrateira, tal jovem andou decidida até ele; o garoto viu mais algumas meninas ao longe o encarando... Mas algo eliminou todo o "past continuous" de Debiega. Uma ação impensável:
- Por que sozinho gracinha? Brinca aqui comig...
E a garota atacou os lábios de Moses, descontrolada. O abraço dela o envolveu até a alma; e o beijo motivou o garoto a usar os braços também... Para agarrá-la pela cintura. Nada de repulsa, a língua dela apenas sondava, levando Moses a fluir no encontro de bocas. Só "bocas"? À medida que apertava, com a mão direita, o lábio inferior da moça, Moses sentia o nível de êxtase em seu sangue se elevar. Seu organismo devia estar iluminado, pelo fogo mais inocente, e o coração encontrava-se em velocidade máxima. O tempo que o beijo durou foi significante (6 minutos), entretanto, para Moses, podia durar a noite inteira: Cadê a frieza de espírito? Onde se enfiou a desilusão da vida? O dono da YL podia sentir-se lesado por perder duas características - antes nomeadas como "pontos fortes" por ele - naquela fração de hora; todavia, haveria ganhado uma "coisa" que fora arrancada dele. Voltando como uma chama:
O senso de juventude.
Enxergando novamente o mundo real, Debiega pôde escutar a menina cochichando a ele:
- Não foi ruim como eu previ... Puxa vida, que bom que eu errei! (tascando um selinho em Moses e, em seguida, saltitando de volta para a festa).
- E-e-ei! Volta! Volta, eu quero...
Sabrina estava em pé, estática. Estatelada verticalmente à um metro de Moses. Nem daria para esconder dela, caso estivessem namorando: Ver aquele beijo de Moses numa "anônima" foi receber uma descarga de um milhão de volts. Suas feições ficaram estranhamente destroçadas; talvez não tanto quanto o seu superego. Ela fixou o Youko com um olhar lacrimoso e vermelho, baixou o pescoço e rumou para a esquina mais próxima - suas amigas deviam espiar tudo de lá - do parquinho. Moses correspondeu a "encarada" da semi-quase-ficante, mas não tremeu com o olho do Furacão: Ele permanecia ‘adrenalinado’; aguçado em rastrear a garota que lhe devolveu a esperança de viver, nem que sua palpitação cardíaca durasse apenas mais aquela noite. Inclusive, as possibilidades de ir dormir, em questão de horas, já estavam dando cócegas; ele não iria ser derrotado pelo sono. O sonho ali, na Praça, tornou-se um acontecimento fenomenal.
- Meu irmãozinho! Como que é foi? Como rolou?! A Sabrina já está ali com as gurias, então aí... - Win brotou da terra, cambaleante; sedento por absorver a glória das vitórias alheias. Ele estava pendurado de modo tão dependente, no ombro de Dylan, que até indicaria que o evento encontrava-se "fraco", relativo ao número de mulheres ("princesas") em circulação.
- Se quer tanto saber, pergunte direto à ela. Vá para o inferno e não encha mais meu saco. - Respondeu educadamente Moses.
Embora Win e Dylan tivessem acabado de adotar uma cara de tacho bem hilária, o novo jovem dirigiu a palavra a Yosef com vivacidade:
- Yosef, viu uma garota com olhos de gato e cabelos de cerejeira? Hein? Hein? Ela tinha um tamanho mais ou menos assim, e...
A mudança de Moses era nítida. Yosef deixaria o queixo cair se não fosse dizer:
- Não, cara. Não vi. Eu só sei que a Sabrina está por ali...
- Pouco me importa! Onde está a moça que me beijou?! - Moses alteou o tom da voz para Yosef e ensaiou uma fuga estratégica da roda de amigos. Porém foi impedido por Dylan.
-Você está bem, cara?
- Larga rapaz! Deixa de ser besta... Vocês não têm ideia do que rolou aqui...
- Moses, não me lembro de ter te visto assim... Vamos voltar ao bar para comermos alguma coisa, quem sabe você se restabelece... Podemos descer pela Rua da Praça e ir num restaurante...
- RESTAURANTE?
Um estalo no cerebelo de Moses conseguiu desviar sua concentração para outro tema: O jantar na casa dos Codi. Não tinha ideia de que horas seriam, contudo pressentiu que chegara a hora de dar o fora do evento. Inesquecível evento.
- Cara... Eu preciso sair, tenho que ir à casa do Aizaiah! FUI!
- Moses!... O QUE QUE TÁ PEGANDO?!
Win berrou em vão: Debiega deu um pique impressionante, furando a plateia do (fraco) show da Sinopse e todas as panelinhas de papo da festa em direção ao fim da rua, dobrando a esquerda na ladeira, sorriu descaradamente. O lar dos Codi aproximar-se-ia mais a cada passo veloz que ele desse. Moses parou, pôs as palmas das mãos no asfalto, como um velocista olímpico, levantou as pernas fazendo ângulo, respirou e disparou! Jamais recordaria que fora um bom corredor na escola primária se não fosse aquela garota e aquele beijo... Iria encontrá-la em outra “rodada”, nem que precisasse mover o Morro Blank ou cavar toda a areia de Porcelina. Num milésimo de segundo, Ruby invadiu a sua mente e o fez parar de maneira mortalmente súbita. Porém, oportuna.
Havia parado, exatamente, na porta de Aizaiah; reuniu forças e tocou a campainha.
A ABSOLUTA URGÊNCIA DO AGORA
O telefone de Yosef está ocupado e Moses não pegou o número do celular dele. Aliás, o fato de Moses não saber nem manejar um aparelho de celular serve de justificativa para a falta de interesse em tal código. A idéia era passar ao amigo o imprevisto que havia surgido, graças aquele convite de Aizaiah, gerando a possibilidade da não-presença do herdeiro Debiega na Praça à noite. Moses regressou à loja (ao térreo) e chamou seu auxiliar para contar o que, outrora, seus colegas estavam combinando sobre a festa de caráter mais superficial que o surpreendente jantar:
- Aizaiah, eu tentei falar agora a pouco com um amigo meu a respeito do jantar... Porque eu pretendia ir à festa na Praça Rozendo, você sabe...
- Eu te falei que a reunião lá em casa será só às dez e meia da noite? – Aizaiah perguntou com um tom tão despretensioso que provavelmente, por vontade dele, tanto faria se Moses fosse a sua casa ou não fosse. Informar à Moses que poderia comer em sua casa e ver a família Codi fora uma missão que a sua avó o incumbiu.
O “patrão” captou a mensagem interrogativa morna de Aizaiah como se a frase, nua e crua, já orientasse uma decisão simples: “Se você quiser ir, vá; Se não quiser, ninguém vai obrigar”. Só não quis iniciar uma conversa prejudicial aos dois pelo simples caminho que se abriu. Agora estava viável bancar o social e visitar os conhecidos das épocas pueris. Não lembrava como era a fisionomia dos pais de Aizaiah, muito menos se o velho dele tivera aparecido na Youkoloko após a morte de Derek. Certamente, ter um flashback de memórias inativas, quando sua própria vida não anda pelo trajeto mais empolgante do mundo, parecia uma grande pedida. O Sol se pôs e Moses tratou de tomar um banho demorado, colocar a melhor roupa (segundo ele mesmo) e passar perfume. O encontro com Yosef, Win, e quem eles carregariam para curtir o lugar, seria às nove; dessa maneira, Moses dispõe de uma hora e meia a fim de “chegar junto” em Sabrina e de todo o apoio dos seus amigos para atingir esse feito; Um suporte espetacular de fornecer piadas sobre a conduta de Moses (ou Sabrina) durante a conversa e as fofocas de tal encontro pós-evento - tudo numa posição saudavelmente afastada do garoto e de seu alvo, claro. Aizaiah já tinha sido dispensado do expediente, e fechado o estabelecimento, dando antes a confirmação do seu endereço à Moses. A casa dos Codi situava-se seis quadras ao norte da Youkoloko, deixando o convidado concluir, pelo mapinha rabiscado por Aizaiah num pedaço de papel, que ficava a menos de dois quilômetros da Praça. Por um instante, Moses mentalmente visualizou que esse atribulado final da sua sexta-feira parecia ser fruto de uma conspiração organizada pelo tempo, pelo espaço e pela associação de moradores de Justine. Que imaginação! Moses largou de mão seus devaneios e foi repor logo a comida dos hamsters... Com tudo certo dentro da loja – não contando os velhos problemas das paredes verde musgo descascando e minúsculas infiltrações – Moses saiu pela divisa do portão e encarou a escuridão crescente do céu. Estranhamente, a noite pareceu ter aparentado vontade de retribuir o olhar cuidadoso do rapaz para ela, exibindo, acontecimento logicamente incomum no meio urbano, várias estrelas cintilantes diante dele. Caramba, até o cosmos estaria envolvido numa conspiração?
Chegando perto da Praça, tudo o que os olhos de Moses absorveram foram luzes coloridas. A comprida Rua Rozendo estava enfeitada com muitas faixas vermelhas cuja face e frases do religioso apareciam emanando toda a dignidade dele, que era conferida ao padre pelos livros didáticos de história, e com fitas, crucifixos... Todo um aparato capaz de ambientar uma via pública igual a uma Igreja em períodos de celebração. Ao fim da Rua, o largo circular (um lago aterrado) que constituía a Praça, propriamente, perdera visualmente sua forma: Dezenas de barracas anunciando salgados, doces e bebidas ocupavam os pontos periféricos do lugar; e indicavam que não ficaria apinhado apenas de pessoas com barrigas vazias. No centro da Praça, havia uma estrutura armada e instrumentos musicais reluzentes (“tomara que a banda do show não seja ruim” – pensou por um segundo Moses), porém não iluminava tanto quanto as novas lâmpadas dos postes num raio de cem metros – medida do diâmetro da Praça – que exibiam e coreografavam tons de azul, verde, laranja e vermelho ao longo do evento e divertia desde as crianças de colo até os senhores que, praticamente, moravam naquelas mesinhas de xadrez da Praça e, no momento, estavam nos bares das duas esquinas tangenciais ao círculo. O número de pessoas no evento aumentava e o espaço diminuía a cada minuto, Moses partiu para o bar da direita (bar de clientela formada por uma quantidade menor de idosos) e apurou a vista para analisar todas as mesas. Geralmente quando Yosef arrumava-se melhor; passava gel no cabelo e apresentava roupas chiques e bem passadas, nada a ver com o look dele normal na faculdade - de cabelo afro, óculos grandes e camisas largadas – e Win, bem... Quando ele queria impressionar a sociedade colocava uma blusa tão colada que, tacitamente, seus amigos podiam enxergar o seu estômago tremendo e até vestígios dos movimentos peristálticos. Apesar de possuir mais informação para achá-los, Debiega não os achou, e sim a “galera” mesmo que o viu primeiro:
- E olha o cara aí! Estamos aqui, Moses! Chega mais! – gritou Yosef, acenando com a mão como se ela fosse um ímã irresistível de atração humana.
Moses abaixou a cabeça e caminhou a passos vagarosos até o (seu) grupo de três pessoas: Além do banco vago, estavam lá Yosef, Win e um garoto de pele morena aparentemente mal-encarado, com um olhar perfurante em cima de Moses; Vestia jeans adornado de uma corrente dourada na lateral, camisa branca colada e cabelo raspado... Seria facilmente confundido com um dançarino de rua no subúrbio da cidade. Moses sentou-se e esperou os “ataques”:
- E aí, já viu a Sabrina cara? Já viu a Sabrina cara? Já viu a Sabrina, cara? – Win parecia um porquinho da Índia ávido por um pedaço de cenoura.
- Deixe-me chegar primeiro, rapaz... Eu tinha de ver vocês aqui antes de tudo, não é? – Os três olhavam para Moses como se ele fosse um dos ratos de laboratório nas aulas da faculdade, analisando-o, comparando sua carcaça com o porte de modelo de Sabrina... Para checar se ele era mesmo merecedor de tanto.
- De qualquer modo, podia ter dado uma olhadinha nos cantos da Praça, não é cara? – Yosef replicou, antecipando-se a um comentário que Win estava pronto a desferir.
- Tá, tá... Não vai me apresentar o seu amigo aí, Win? – Improvisou Moses para mudar de assunto por uns minutos.
- Ah sim, esse aqui é o Dylan. Nós nos conhecemos através do Nokeysa. – Win indicou o garoto “suburbano” com a cabeça, indicando que ele estendesse a mão para o “prometido” de Sabrina cumprimentá-lo.
Mexer nos serviços do Nokeysa tratava-se do passatempo mais utilizado pelas pessoas no mundo inteiro, quando dentro do mundo da Internet. Bastava um microcomputador conectado a rede e uma conta de e-mail para acessar um portal que agia como uma imensa comunidade humano-cibernética. Do ponto de vista social, o Nokeysa nasceu a fim de servir como uma ferramenta de fácil manuseio (pela sua estrutura simples usando links), capaz de apresentar candidatos a novos amigos de forma muito dinâmica, para o pessoal mais solitário, e reforçar os elos com os velhos companheiros e outras pessoas – desconhecidas aparentemente - com os mesmos gostos (ou desgostos) do usuário: Há grupos de discussão dentro das várias comunidades no “portal azul bebê”, fornecendo uma gama de conhecimento sobre músicas, livros, filmes, política e, principalmente, opiniões pessoais dos internautas a respeito de qualquer tema abordado. Muita gente já tinha iniciado um romance por ter conhecido alguém nos caminhos do Nokeysa (mesmo que o computador do amado/amada estivesse a quilômetros de distância). O aspecto físico/geográfico não influencia negativamente o portal... A Internet também é um meio comunicativo acima desses detalhes técnicos. Moses estava lá, Yosef também; e Win mostrou que estava um passo a frente dos dois em matéria de “novos contatos”:
- Quando eu falei que iria rolar a festa do Rozendo hoje, ele nem pensou duas vezes! Hahaha! Não é, Dylan?
- Tá ligado... Cara, eu já estava no pedaço (leia-se: Justine) por causa do meu serviço e resolvi ficar por aqui mesmo. Oras bolas, não é todo dia que tem uma festança dessas... Hehe – e forçou um sorrisinho amigável diante de Yosef e Moses. Porém, por mais que já tivesse notado que a presença chata do seu “novo amigo” Win - falando no seu cangote - fosse frustrante e irritante, ele sabia que suas chances de desenvolver uma conversa interessante com dois universitários sérios eram demasiadamente baixas.
- Ei, mano... Fala aí no que você trabalha para eles!... Aí, manda outro chopinho! – Win cutucou o ombro de Dylan e as costas da garçonete com a mesma força de elefante. O amigo do Nokeysa, que se via distraído pela beleza da atendente, não contava com outra saída a não ser falar:
- Eu sou Office-boy de uma empresa... Viro onze horas por dia indo de um lado para o outro, é legal porque conheço as regiões e os atalhos da cidade. E hoje, vim aqui nesses lados para pegar um documento que não foi legitimado... Então, tirei folga com autorização do chefe hehe.
Finalmente Moses começou a pensar em algo, naquela dimensão social que o convocou, diferente de Sabrina e dos sentimentos dela... Dylan era perspicaz e energúmeno ao mesmo tempo, aquela conclusão servia a uma construção paradoxal e para uma tese notável: A ignorância alheia não é explicada por ele ter um cargo subalterno num trabalho ou nem por achar afinidade alguma com o sujeito, alienado assim como Win, através da Internet. Veio na descrição de seus atos através do jeito de abrir a boca. Dylan não passa de um cara acomodado ao extremo; um homem que deve morar mal (“vim aqui nesses lados”) por morar bem longe de Justine (zona central), sofrer deveras devido ao excesso de tarefas (“onze horas por dia de um lado para o outro”) e ganhar um magro salário pelos serviços prestados (“... é legal porque conheço as regiões...”). Entretanto – na linguagem possivelmente favorita do “protagonista” Dylan – não largava o osso. O tipo de homem que não gostava de estudar, quando criança, levava críticas dos pais por causa da inadimplência escolar e pela preguiça – daí a necessidade de obter um emprego – e devia imaginar que a vida resumia-se em ganhar dinheiro para adquirir o celular/carro/relógio da moda e, não menos importante (mesmo), usá-lo de ímã para atrair as “fêmeas”. Por via das dúvidas, Moses oportunamente soltou uma pergunta clichê de quando se conhece alguém, no mínimo, intrigante:
- Dylan, em que bairro você mora?
- Eu? Moro perto de Medellia, no bairro de Tenbrennan... Conhece? – O garoto devolveu a pergunta até com certa dose de atenção, coisa que Moses “esqueceu”.
- Não, não. Só de nome, só de nome.
Explicado. Tenbrennan, além do nome intrincado, indicava uma das zonas de acesso mais difíceis de toda a metrópole de Meladori. Medellia estava muito mais perto de Justine do que aquele bairro. De tanto que o sentido de “subúrbio” exercia poder sobre essa localidade, ela situava-se nos limites de fronteira municipal! Moses acertou em cheio seus (pré) conceitos sobre o jovem Office-boy. Internamente, passou a fazer autocrítica... Desde quando adotava uma postura tão analista/desconfiada com pessoas desconhecidas? De gente sistemática para desestabilizar o planeta, apenas a Rub...
Antes de dar corda a qualquer raciocínio socio-psico-metafísico que pudesse congestionar sua mente, e permitir a saída de uma lágrima criminosa, Moses pediu licença a Yosef, Win e Dylan a fim de ir ao banheiro. Sabrina aparecer no campo de visão do pessoal seria questão de poucos minutos; e isso tornava a “fuga” uma atitude criminosa também, pois matava dois coelhos com uma cajadada só...
Por dez minutos, ele tomou uma dose de liberdade (com aroma de pinho) do meio social, depois retornou. Ficar mais que cinco minutos no toalete masculino sempre foi, sempre é e sempre será esquisito; Todavia, os três rapazes olhavam atentamente, pela janela inexistente do botequim, para um grupo de meninas que cochichavam avidamente. Moses entendeu que elas eram o alvo das seis córneas porque Win, como de praxe, estava apontando que nem um macaco de zoológico para um garotinho visitante com uma banana na mão. E mostrou-se mais tranquilo... Acomodou-se na cadeira sem que ninguém começasse a segunda bateria da “Temporada de Caça à Sabrina”.
- Que mina maravilhosa, meu Deus! – Por sorte, Win estava falando baixinho apenas para os outros dois gaviões, sinal de que não havia bebido tanto (ainda).
- Demais mesmo, cara... Nunca as vi pela área, acho que não moram por aqui... – Comentou Yosef, que adorava fazer uma corrida pelas ruas de Justine à noite e não perdia a oportunidade de fazer “novas amigas” pessoalmente.
Moses, escutando tudo que o grupo murmurava, sentiu-se tentado a levantar a coluna e procurar avistar as meninas tão badaladas. Quando realizou a façanha, pôde ouvir Yosef dizendo despreocupadamente:
- Aquela mais alta se produziu que nem a Sabrina para vir! Mas está dando de dez nela!
Até a entrada do bar ficou pequena para o tamanho nervosismo de Moses. Sabrina está presente em algum lugar da festiva Praça, e em nenhuma outra etapa anterior de sua vida ele ia visualizar a imagem daquele bar sujo e mal freqüentado como o abrigo mais eficiente do mundo – ou, no mínimo, a porção de mundo que cabia num raio de mil e quinhentos metros. Suas sinapses em cinco segundos elaboraram uns cinco planos destinados a impedir o iminente contato com o Furacão; todos caíram por terra. Moses usou uma prematura idéia, concebida em um centésimo de segundo num ponto consciente de seu cérebro, para manter os ânimos da (sua) audiência estáveis:
- Turma, eu acho que vi um freguês antigo lá da Youko, que faz tempo que não vai...
- Opa, você voltou?! De jeito nenhum! Vai atrás da Sabrina que ela já está no pedaço! Ah, claro, troca uma idéia com essa pessoa aí antes... E depois vai para o combate! – Win começou a ordenar antes mesmo de virar-se para ver Moses as suas costas. O giro de sua carcaça guiou a de Yosef, que só apoiou a declaração do pedante acenando positivamente a cabeça.
Não havia escapatória: Moses teria que se encontrar com Sabrina mesmo. Seu interesse particular beirava uns dez por cento, mas os espectadores já haviam pagado o ingresso do show com os copos de chope. A repercussão do espetáculo propagar-se-ia em Pindorama integralmente durante a próxima semana letiva... Seria o assunto mais importante para o andamento da Instituição desde o caso do Reitor com a filha do professor de Química Analítica, encerrado por uma bela briga entre os docentes no meio do campus, que se desgastou após três semanas de muita lenha numa fogueira borbulhante. Quando se vai comer o pão que o diabo amassa, é incrível ver quanta gente se oferece para assá-lo!
- Certo, certo! Não é preciso vir atrás de mim até avistar a Sabrina. Estou saindo... – Moses achou bem melhor cortar logo o pezinho de Win, que se moveu em direção a ele, a fim de empurrá-lo para fora do bar, antes que o ato fosse consumado. A paciência com o balofinho tinha um limite até para ele, e seu jeito de velho tratou de incomodá-lo nesta dedução.
Perante aquela sensação rara, do dever para cumprir sem estímulo o suficiente, o dono da Youkoloko mediu com os olhos a distância entre as duas esquinas adjacentes à Praça. Torcia para que encontrasse Sabrina e a contemplasse por algum longo minuto; Desse jeito, finalmente decidiria se a estudante merecia agüentar ele, e o seu bafo, numa noite tão bela, Moses Debiega sabia que o problema daquilo o que rolou, do que está rolando, e do que irá rolar não se referia meramente a “bola” de Moses Debiega ao sexo oposto... A bola que Sabrina dava para ele agregava um brilho largamente cobiçado – seguindo uma linha de pensamento machista.
- EI, MOSES! OLHA LÁ!
Verdade. Verdade dupla: Não existia sujeito tão inconveniente quanto Win num raio de quarenta mil quilômetros... E que Sabrina estava bem perto do Youko naquele crucial instante. Deslumbrante como nunca, o Furacão previu a ação locomotora do veterinário e cochichou algo ao pé do ouvido para as duas amigas que a escoltavam... Bastou o olhar direto após as risadinhas e os empurrõezinhos para Moses gelar; se ela vinha avançando até Moses, ele não poderia cogitar a hipótese de virar as costas ou de recuar um milímetro seus pés. Afinal, a platéia presente não iria perdoar! Sinapses, sinapses... Moses não tinha idéia de que a adrenalina exercia pressões negativas no organismo inteiro, as aulas de biologia não estavam abrangentes o suficiente... Sabrina lançou um olhar mais do que amistoso antes que ele pudesse se espantar com a rápida aproximação dela.
- Então, você veio mesmo, Mô? – Sabrina emendou essas palavras durante o intervalo dos dois beijos na bochecha de Moses.
“Mô”? Pela primeira vez na noite, Moses achou graça em alguma coisa. E é impossível rir de Sabrina: Maquiagem leve no rosto, rimando perfeitamente com um mini-short e uma blusa solta prateada (frente única?) deixando um par de ombros, perfeitos, livres para a curtição. A mais bela do evento, de longe. “Mô” imaginou que se o Padre Rozendo estivesse vivo, ia amarrar um crucifixo em volta do pescoço da bela e rezar trocentas ave-marias, dando duas voltas nas continhas do rosário, até Jesus tirar o pecado armazenado daquele corpo...
Privilegiado.
- Pu-puxa... Que bonita você está... Sa-sab...
Ih, ele emperrou a fala até na hora de dizer o nome:
- Huumm... Hahaha! Que amor... Ninguém nunca me chamou de “Sa”, hehe.
Sabrina está tão a fim do garoto que qualquer veneno que ele prepare, ela o tomaria como chocolate quente no Pólo Sul no ato. Para Moses, o cenário não batia com o trágico fim da novela que vinha estrelando – aliás, da minissérie – cujos protagonistas não nasceram para ficarem juntos. E, como consequência, não iriam morrer não se ficassem também. Moses nunca torceu tanto para que Sabrina criptografasse sua cara envergonhada e finalizasse toda aquela ceninha com um exaustivo bofetão no seu rosto ou o famoso “você é patético”. Diretamente, as probabilidades de Sabrina – e toda sua beleza reformulada – “virar a noite” ao lado do veterinário e nem pensar em conversar com mais nenhum garoto, dentre os presentes que a “secavam” ali na área, era mínima.
- Daqui a pouquinho, a Sinopse vai tocar ali no palco principal... Vamos ver o show juntos? – Improvisou o Furacão, reanimando a conversa.
- Hã? É a Sinopse que vai tocar ali?
Sinopse seria uma banda de rock - nas palavras dos próprios integrantes - recém-formada e recém-novata no primeiro lugar das rádios, que, pasmem, Moses apresentava um conhecimento vago sobre sua trajetória (justo ele; nunca ligado em música), já que, num passado muito recente, Aizaiah chegou à YL com um caderno do jornal Dial onde o quinteto de músicos figurava na página central. Nesse dia, Aizaiah ficou ligeiramente irritado em vista de toda a amostra de elogios desferidos, ao grupo “desses mauricinhos estúpidos”, ao longo do texto, para entreter os leitores assíduos do Dial – No caso da matéria em si, os viciados em música como Aizaiah.
- Sim, fala sério né, Mô? O novo som deles, acho que se chama “Altos Agitos”, é muito bom! Pela primeira vez a banda toca de graça, e nós vamos conferir eles tocando essa e as outras duas que estouraram! Ah não, vai ser demais... Estou indo pro palco e você vem comigo, vem!
- Mas, Sabrina... Tem que ser assim?...
- Hã?
- Opa... Desculpa. Digo...
Não tinha jeito de tirar a prensa hidráulica que estava esmagando o cérebro de Moses naquele instante; Se não bastasse não ter planos para dispensar Sabrina, a possibilidade de ver um grupo musical cujos membros se vestiam como filhotinhos mimados de poodles foi assustadoramente vislumbrada por ele... Pelo visto, Codi injetou-lhe uma solução ideal de repulsa a música ruim. A questão é... Convencer o furacão Sabrina a não ir para o gargarejo (centro da Praça), cujo espaço livre estava diminuindo gradativamente graças a um ônibus cheio de menininhas – e alguns garotinhos magrelos - que acabara de chegar ao “templo” do Padre Rozendo.
- É que... Essa banda Sinopse não faz uma trilha sonora propícia para acomodar o que eu queria te dizer.
E Moses sentiu uma cócega dolorosa no estômago; um golpe premonitório do que ocorreria, logo após a sua frase, foi concretizada através do rosto ruborizado de Sabrina:
- Me dizer?!... Dizer-me o quê?... Digo, o quê exatamente, Mô?... – a garota não conseguiu disfarçar sua empolgação - ou sua surpresa – com a declaração do rapaz apenas olhando para os lados de forma inquietante. Truque melhor seria uma boa risada sobre qualquer bobagem corriqueira numa Praça à noite, como olhar um velho discutindo, exaltado, uma trapaça no jogo de buraco ou um mendigo escondendo o último biscoito recheado, de um pacote furtado, do menino de rua malabarista.
- Vamos para lá. – apontou Moses para o nordeste.
Aquele ponto da bússola indicava a escadaria para o seminário (desativado) que o Padre Rozendo passara praticamente toda a sua juventude. Porém, antes do primeiro degrau, o contorno da calçada era bastante largo e gangorras decoravam toda sua extensão. Devido à pujança artística da Sinopse já figurar no universo infanto-juvenil, não tinha nenhuma criança brincando nas tábuas.
Um palco adaptável às reais intenções de Moses e Sabrina.
- Então, Mô... Qual... O problema? – Sabrina exibia nem um pingo de ansiedade...
O garoto a olhou como se acabasse de ter sido ordenado, por uma “força maligna”, para pendurar Sabrina num mastro bem grande utilizando uma corda banhada em álcool. E, não devendo ficar mais grave, o carrasco Moses iria ainda cantar o hino nacional ao término da “solenidade”.
- Meu Deus, eu quero demais saber como é o seu b... Ai! Nossa... O que você vai me dizer. - Ah, Sabrina... Se Moses fosse um tarado...
- Veja bem, Sabrina... É especial para eu estar com você esta noite, a-a-ainda mais eu já estando ciente do seu in...
"VOCÊ JUNTO A MIM, BABY! VOCÊ AGITA BABY! E JUNTOS ASSIM NOS DAREMOS..."
Esse som ecoou forte no aparelho auditivo, e em todo no sistema nervoso, do pseudo casal encostado num escorregador. O celular do Furacão era o artigo mais colorido que o garoto já vira antes: A começar pela capa de proteção, cujo bibelô tinha 10 centímetros e seria um chaveiro - para as pessoas mais práticas. Mas o aparelho também não ficava atrás... Adesivos colantes na parte externa e esmalte - com um tom azul de safira - decorando as teclas numéricas internamente; Sabrina vislumbrou o visorzinho do telefone (preenchido por "Mamãe!") e, deixando Moses perplexo de vez, iniciou a dar pulinhos tímidos e abanando os punhos! Movimentos que amenizaram a careta, daquelas de quem vai chorar, nascendo no formoso rosto da moça.
- Ai, ai... Não! Não! Mô... Dê-me só um minutinho, por favor? Essa merd... Essa ligação é importante, é rapidinho! É rapidinho! Eu juro.
- Hã... Claro que sim, Sabrina, claro. Atenda.
O Furacão riu e desatou a andar para longe de Moses; uma mão segurando o celular e a outra dando tapas no vento em polvorosa: Sabrina ficara irritada com a mãe, por interromper aquele instante tão aguardado, e o garoto, incrédulo, começou a comparar os trejeitos incomuns da menina - vistos nos últimos segundos - com os de Win. Felizmente, caiu em si outra vez e preferiu rodear os brinquedos, absorto.
Sem raciocinar por um "minutinho" foi interpretado como um favor que Sabrina fez a ele; assim, depois que Moses retornou a assimilar vozes femininas na festa, soube exatamente como recapitular a conversa com a nutricionista. Ergueu a cabeça para frente, esperando ver Sabrina a um palmo de distância, mas enganara-se... Surgiu outra menina perto do escorregador: Cabelos não muito longos, olhos pequenos, meio ferinos, e um corpo imaturo. Era esse o vulto principal no horizonte de Moses quando, por uma atração sorrateira, tal jovem andou decidida até ele; o garoto viu mais algumas meninas ao longe o encarando... Mas algo eliminou todo o "past continuous" de Debiega. Uma ação impensável:
- Por que sozinho gracinha? Brinca aqui comig...
E a garota atacou os lábios de Moses, descontrolada. O abraço dela o envolveu até a alma; e o beijo motivou o garoto a usar os braços também... Para agarrá-la pela cintura. Nada de repulsa, a língua dela apenas sondava, levando Moses a fluir no encontro de bocas. Só "bocas"? À medida que apertava, com a mão direita, o lábio inferior da moça, Moses sentia o nível de êxtase em seu sangue se elevar. Seu organismo devia estar iluminado, pelo fogo mais inocente, e o coração encontrava-se em velocidade máxima. O tempo que o beijo durou foi significante (6 minutos), entretanto, para Moses, podia durar a noite inteira: Cadê a frieza de espírito? Onde se enfiou a desilusão da vida? O dono da YL podia sentir-se lesado por perder duas características - antes nomeadas como "pontos fortes" por ele - naquela fração de hora; todavia, haveria ganhado uma "coisa" que fora arrancada dele. Voltando como uma chama:
O senso de juventude.
Enxergando novamente o mundo real, Debiega pôde escutar a menina cochichando a ele:
- Não foi ruim como eu previ... Puxa vida, que bom que eu errei! (tascando um selinho em Moses e, em seguida, saltitando de volta para a festa).
- E-e-ei! Volta! Volta, eu quero...
Sabrina estava em pé, estática. Estatelada verticalmente à um metro de Moses. Nem daria para esconder dela, caso estivessem namorando: Ver aquele beijo de Moses numa "anônima" foi receber uma descarga de um milhão de volts. Suas feições ficaram estranhamente destroçadas; talvez não tanto quanto o seu superego. Ela fixou o Youko com um olhar lacrimoso e vermelho, baixou o pescoço e rumou para a esquina mais próxima - suas amigas deviam espiar tudo de lá - do parquinho. Moses correspondeu a "encarada" da semi-quase-ficante, mas não tremeu com o olho do Furacão: Ele permanecia ‘adrenalinado’; aguçado em rastrear a garota que lhe devolveu a esperança de viver, nem que sua palpitação cardíaca durasse apenas mais aquela noite. Inclusive, as possibilidades de ir dormir, em questão de horas, já estavam dando cócegas; ele não iria ser derrotado pelo sono. O sonho ali, na Praça, tornou-se um acontecimento fenomenal.
- Meu irmãozinho! Como que é foi? Como rolou?! A Sabrina já está ali com as gurias, então aí... - Win brotou da terra, cambaleante; sedento por absorver a glória das vitórias alheias. Ele estava pendurado de modo tão dependente, no ombro de Dylan, que até indicaria que o evento encontrava-se "fraco", relativo ao número de mulheres ("princesas") em circulação.
- Se quer tanto saber, pergunte direto à ela. Vá para o inferno e não encha mais meu saco. - Respondeu educadamente Moses.
Embora Win e Dylan tivessem acabado de adotar uma cara de tacho bem hilária, o novo jovem dirigiu a palavra a Yosef com vivacidade:
- Yosef, viu uma garota com olhos de gato e cabelos de cerejeira? Hein? Hein? Ela tinha um tamanho mais ou menos assim, e...
A mudança de Moses era nítida. Yosef deixaria o queixo cair se não fosse dizer:
- Não, cara. Não vi. Eu só sei que a Sabrina está por ali...
- Pouco me importa! Onde está a moça que me beijou?! - Moses alteou o tom da voz para Yosef e ensaiou uma fuga estratégica da roda de amigos. Porém foi impedido por Dylan.
-Você está bem, cara?
- Larga rapaz! Deixa de ser besta... Vocês não têm ideia do que rolou aqui...
- Moses, não me lembro de ter te visto assim... Vamos voltar ao bar para comermos alguma coisa, quem sabe você se restabelece... Podemos descer pela Rua da Praça e ir num restaurante...
- RESTAURANTE?
Um estalo no cerebelo de Moses conseguiu desviar sua concentração para outro tema: O jantar na casa dos Codi. Não tinha ideia de que horas seriam, contudo pressentiu que chegara a hora de dar o fora do evento. Inesquecível evento.
- Cara... Eu preciso sair, tenho que ir à casa do Aizaiah! FUI!
- Moses!... O QUE QUE TÁ PEGANDO?!
Win berrou em vão: Debiega deu um pique impressionante, furando a plateia do (fraco) show da Sinopse e todas as panelinhas de papo da festa em direção ao fim da rua, dobrando a esquerda na ladeira, sorriu descaradamente. O lar dos Codi aproximar-se-ia mais a cada passo veloz que ele desse. Moses parou, pôs as palmas das mãos no asfalto, como um velocista olímpico, levantou as pernas fazendo ângulo, respirou e disparou! Jamais recordaria que fora um bom corredor na escola primária se não fosse aquela garota e aquele beijo... Iria encontrá-la em outra “rodada”, nem que precisasse mover o Morro Blank ou cavar toda a areia de Porcelina. Num milésimo de segundo, Ruby invadiu a sua mente e o fez parar de maneira mortalmente súbita. Porém, oportuna.
Havia parado, exatamente, na porta de Aizaiah; reuniu forças e tocou a campainha.
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