domingo, 18 de outubro de 2009

[CONTO/FICÇÃO] 1979 (FAVOR INSERIR UM TÍTULO AQUI...)

Obs.: Leiam com calma e/ou com os corações abertos [emo mode off] ;)







CAPÍTULO ZERO

NEVE DE SORVETE



Eis um trecho da última conversa de Moses ao telefone com um amigo do colégio:

- O que é isso, Moses! A festa do Padre Rozendo rola uma vez a cada quatro anos! A quantidade de pessoas que vão para lá é imensa! Vai ter muita mulher, garoto! É para matar a fome, a sede e tudo que nos incomoda em um dia só!

- Esquece cara... Eu preciso estudar para a prova. Além disso, ainda vou conferir se não esqueci nenhum exercício da professora Cassandra. Admito que não suporto a matéria dela...

- Não muda de assunto, irmão! Até eu sei que ninguém lá da sala gosta de nanobiologia, mas nem por isso a faculdade impede que você vá se divertir! Deixe de encarar a vida tão a sério, vamos zoar... Aproveitar a vida!... Opa...

- Isso foi uma indireta, não foi?

- Ih, Desc... Foi um... Não queria dizer algo assim... Calma.

- Não vou ofender você, Yosef. Pelo seu tom de voz percebo que você não disse por querer. E quer saber? Mesmo a frase tendo intenção, não poderia falar nada, certo?

- Moses, Moses... Qualquer coisa vá para lá amanhã, eu tenho que ir dormir logo porque a conta do telefone aqui em casa é... Olha, eu e a turma vamos ficar no bar a direita da Praça Rozendo. E depois, vamos para a praça mesmo... Para a guerra. Tudo bem? Boa noite, cara!

Moses, Moses... Provavelmente o universitário mais cabisbaixo da face da Terra. Não por ter (muitos) problemas com dinheiro – com uma loja Pet Shop (ou, segundo seus planos futuros, um centro de tratamento animal) herdada do seu pai - ele é o único empreendedor de vinte anos que conhecia – e muito menos problemas envolvendo mulheres, pois era o menino mais “assediado” pelas garotas do curso de veterinária. Infelizmente, nem ele consegue explicar o que falta em sua vida a fim de não viver sentindo-se tão melancólico. Devido às respostas negativas quando o convidavam para sair e badalar no fim de semana, seus colegas na universidade costumavam dizer sempre, em tom de brincadeira, que Moses tinha “jeito de velho” – Mas é claro que os jovens já não estão mais com idade para brincar com essas palavras... Moses tem um jeito diferente sim, movimenta-se do mesmo jeito que o seu falecido pai, e se possuía seus colegas atuais era porque nem ele, nem eles, nunca se consideraram amigos desde o começo. O rapaz abria um leque de argumentos, para falar desde economia nacional até sobre amizade, e não conseguia explicar-se bem nem com a ajuda do vento. Além de jeito de velho, Moses ainda conta com a dificuldade de se expressar... Como se a complexidade para abrir um ratinho de laboratório e checar quantas artérias estavam ruins (atividade comum em suas aulas) fosse nada perto da complexidade de revelar a alguém seus pensamentos e opiniões sobre a vida – ou, no caso desse jovem, a falta dela.
- É mesmo, o Aizaiah já foi embora... Acho que nós dois esquecemos a comida do Quack, vou voltar lá embaixo. – falou sozinho Moses, referindo-se, respectivamente, ao seu único empregado e a sua calopsita de estimação.

Aizaiah Codi não é só o único funcionário do Pet Shop Youkoloko como também acumula a função de melhor amigo de Moses. Bom, Codi tem três anos a menos que o seu chefe e, sendo assim, aprimorava bem sua capacidade de escutar, compreender e opinar sobre os conflitos e dúvidas inerentes ao fim da adolescência que ainda perturbam o ‘senhor’ Moses.
Youkoloko - ou YL para os “bons entendedores” - nas palavras do pai de Moses, Derek Debiega, é “o legado do presente para as conquistas do futuro!” – Moses lembrou-se vagamente da frase enquanto descia às escadas em direção ao térreo, pois quando se virava para a esquerda para tocar o corrimão, via uma fotografia antiga dele com seu pai, sua mãe, sua irmã e a mascote Eden – a calopsita mãe de Quack. Dentre os seres da memória, a ave, mesmo sem sorrir, ironicamente passava mais alegria que o restante do clã Debiega. Pelo que Moses sabia, a sua irmã – Sheila - só tinha ligação sanguínea com ele por parte de mãe. O casal Derek e Ava não possuía a melhor relação conjugal do mundo após a concepção dos rebentos. Contudo Moses apenas gostava de recordar a ótima relação que tinha com Sheila, até Ava pedir o divórcio e levar a garota para outra região do país... Isso já havia alguns anos, uma década talvez?... Moses não parou para calcular o tempo que passou, teve medo de que também lembrasse, como um bônus, de algum conflito típico fraternal intenso suficiente a fim de deixar alguma seqüela, negativa, nos sentimentos de Sheila em relação a ele... Preferiu voltar a focar em que ração dar a Quack e aos passarinhos “comerciáveis”.

- Pai, como o senhor pediu a mamãe em namoro?

- Eu não pedi moleque! Esse foi uma parte do propósito!

- Propósito? Como assim?

- Só vou dizer uma coisa a você, filho... Eu não conheço todo mundo, e todo mundo me assustava. Não por medo do desconhecido, de criminosos ou da morte, nada disso... Mas pela impotência de não conseguir superá-lo. Só isso que você deve saber por enquanto.

- Mas por que tanto mistério, pai?

- Se eu falar como conquistei Ava, você talvez não tenha o mesmo êxito quando decidir completar a sua vida... Esse macete do amor você irá descobrir sozinho, Mos...

- EI!

Quase toda semana, o seu cérebro recorria àquela lembrança, encaixando-a nos sonhos de Moses; mais uma vez, QUASE ele avançava mais naquele diálogo que tivera com o seu velho, em uma última tarde de inverno, na Praça Rozendo. Sabia apenas que era uma última tarde de algum inverno, não recordava com exatidão o ano, mas que foi num tempo próximo do rompimento da sua família, foi... “Todo o mundo? Será que esse termo tem duplo sentido? Mesmo se não tiver, será que o pai quis fazer charada? Macete? Ele não era tão misterioso depois que a mãe partiu, por que será?” – Moses fazia a si mesmo essas perguntas toda vez que o sonho o visitava. Sonhos realistas são como parentes distantes no natal: Na chegada, ambas as partes se estranham ou estão sujeitas a esquecerem, uma da outra, após a entrega dos presentes; mas quando há histórias para contar, resolvem aparecer no ano novo, na páscoa...
Mas o tempo encontra-se num vazio mês de junho!
- Moses! Moses! Já cheguei, valeu?

Aquela voz alta só podia ser de Aizaiah. Por mais que o adolescente não fosse trabalhar cedo por causa do colégio, ele tem em seu poder as chaves do cadeado caso acontecesse qualquer fato incomum (se Moses não estivesse presente no estabelecimento, a casa do jovem empregado ficava perto dali; esporadicamente, as aulas extracurriculares da faculdade eram necessárias para Moses). Moses tranqüilizou-se aos poucos ainda na cama, devido ao sonho; após uns segundos, levantou e aprontou-se para ir à Universidade. Antes de sair, deu algumas instruções a Aizaiah, fazendo o máximo de esforço para não perguntar por que o menino bateu seu ponto no cantar do galo, às sete horas da manhã - se ele “pegava” às duas da tarde.
- Pode deixar comigo, Moses. Eu sei onde estão as vacinas e a ração especial sim.

- Legal, então... Daqui a pouco estou aí, até mais.

Seguindo a rotina, é Moses mesmo o responsável por abrir a loja em algum minuto entre onze horas e meio-dia. Raramente o expediente começava de outra maneira. “Talvez Aizaiah não foi à escola por causa de conselho de classe... É, é isso sim”. Uma política que Moses adota desde que conhecera o jovem – fato datado de tempos atrás; porque Derek e o pai de Codi construíram uma grande amizade – Foi batizada pelo próprio de “muralha da China”: A vida dele anda e a do seu subalterno também; quando ele recebe problemas que sente ânsia de cuspir, bastaria abrir a boca em direção ao “muro” (Aizaiah), para aliviar-se. Independente se Codi importava-se, ou não, com a vida de Moses, sempre ele diria uma letrinha sobre o que acha ou deixava de achar. E, em compensação, atrás daquele muro não aparentava ter nenhum problema – pelo menos não aos olhos do chefe: Nunca Moses julgou a presença de Aizaiah, no serviço, de cara amarrada, triste ou com vontade de falar algo desagradável. Em miúdos: Se, superficialmente, está indo tudo bem com a “China”, que continue as nossas relações padronizadas; seguindo a divisão internacional do trabalho. Porque até acontecer uma revolução...
- E aí, Moses! Veio na hora certa! – Incrível era a facilidade que Win possuía de abrir a boca e fazer com que metade do campus virasse a atenção para o seu discurso; O - auto-intitulado - melhor amigo de Moses inoportunamente aproximou-se do rapaz, piscando e executando movimentos um tanto dissimulados. Ele parecia ensaiar um novo vexame de modo constante.

- Fala, Win... Preciso perguntar por que está girando a cabeça e fazendo caretas?

- Irmão (falou Win, colocando o braço no ombro esquerdo de Moses)... Tenho uma bomba para contar para você... O Furacão Sabrina vai à festa da Praça!

- Ué, o que isso tem a ver comigo? – Nem é preciso dizer que Moses tendeua terminar a conversa o quanto antes, e entrar na sala.

- O quê? Irmãozinho, a Sabrina sempre esteve a fim de você! Não esqueça que ela é a Miss da faculdade! Amanhã pode ser o melhor dia da sua vida! – Com toda a alegria que Win disse aquelas palavras, deixou transparecer que pode matar um urso para trocar de corpo com Moses.

O jovem administrador veterinário olhava para o céu com uma postura pensativa: Indubitamente, Sabrina era muito bonita mesmo. Cabelos cacheados impecáveis, olhos da cor do mel (Moses definiu melhor em sua cabeça: “Cor do favo da colméia!”), corpo de modelo numa estatura ideal, o nariz “certinho”... O que raios será que ela viu nele para “estar a fim”? Ele tinha um rosto gordo, corpo desprovido de porte atlético (porém não era magro), olhos castanho-escuros e cabelos “lambidos”, com uma franja dupla esquisita... Moses alega que os fios de cabelo teimam em ficar cobrindo sua testa nas laterais, e não adiantava cortá-los; As meninas, de qualquer jeito, gostavam. E o mais interessante – concluiu Debiega mentalmente – é o fato que Sabrina não estava no curso de veterinária... Ela era uma nutricionista em treinamento. Depois que voltou a si, Moses olhou Win em toda a sua extensão. Sim, o sujeito falastrão é meio roliço, com mãos e pernas curtas; suas roupas coladas no corpo não o ajudavam virtualmente em nada. A bela paisagem arborizada do campus de ciências biomédicas, da Universidade Pindorama, permite que os estudantes ampliem o campo de visão, e Win acabava sendo um aluno bem notável, no sentido literal do termo. Moses tratou de andar mais rápido em direção a sua turma, usando a desculpa de precisar falar com Yosef na biblioteca. Assim deixando tal "melhor amigo" para trás.
Ao decorrer das aulas, os olhares corriqueiros e as conversas paralelas ao discurso explicativo dos professores não mudaram o seu curso em nenhum momento. Yosef encontrou Moses quando ele adentrou na sala. O colega sentou-se ao seu lado e tratou de ratificar o que Win comunicara antes: Sabrina estava mesmo a fim. Mais: o assunto já tinha se libertado do círculo de boatos e residia na boca e nos ouvidos de, pelo menos, metade das garotas da Universidade Pindorama - inteira! Depois dos beijinhos de despedida nas meninas da turma (10 mulheres para seis homens no sexto período do curso de veterinária) e de cumprimentar Yosef e Win, Moses caminha para casa, munido de idéias sobre como estragaria o previsível “encontro” entre ele e o Furacão Sabrina. Ao contrário da ala masculina, que estudava no Pindorama, ele nunca havia enxergado a estudante de nutrição com olhos de coelho; muito menos trocado três frases diretamente com ela (os dois já foram apresentados em um bate-papo, num passado recente, mas Moses só correspondeu com um “beleza” uma piada da gata a respeito das suas roupas). O chato era o fato certo que Sabrina não iria gostar, para dizer o mínimo, de uma rejeição do sexo oposto; em um evento amplamente divulgado e popular, como a festa tradicional do Padre Rozendo, na Praça que levava o nome célebre: Jubileu Rozendo fora um religioso famoso, por ter virado um grande ativista social no desenvolvimento da cidade.
Já que faltava ainda um pouquinho mais de 24 horas para a festa, Moses optou por desligar-se do tema enquanto se dedicava ao trabalho. Quinta-feira é dia da habitual visita da senhora Mill com a sua cadelinha poodle, Donna, às 14 horas, visando fazer um check-up do animal e criando as oportunidades para o jovem exercitar, cada vez mais, suas habilidades de medicina veterinária: Ele não deixa de gostar bastante da "arte" e, se possui algum sonho em sua vida, ele traduz-se na transformação do Estabelecimento Youkoloko no Centro de Tratamento Animal Mellonyouko depois da sua graduação. O termo “mellon” seria uma homenagem à...
Bem, uma vez que Moses não faz nada de especial, durante o exame em Donna, está na hora de explicar os acidentes do passado que fizeram Moses tornar-se a espécie de “acidente social” para os seus colegas no presente... Amigo leitor, não envolve dinheiro! Mas envolve uma mulher.

Ruby Locke foi a pessoa mais importante relacionada à adolescência de Moses. Essa moça e ele conheceram-se aos 11 anos de idade, num memorável primeiro ano do ginásio no colégio Rebanho. Porém, logicamente, custou um pouco de tempo para iniciarem um relacionamento firme – Não havia muita desarmonia entre eles, em geral, as “crianças grandes” da turma sempre foram unidas – ou para terminarem de vez com a infância: Ambos aos 13 anos decidiram namorar, concluindo a soma dos fatores ‘vontade interna’ e ‘pressão externa’, e durante três anos tudo o que eles passaram fora fantástico... Até em que certo sábado à noite, dormindo com Moses no quarto dele, Ruby ouviu as seguintes palavras soltas por seu namorado perdido no abismo do sono: “Sheila... Sheila... Só você consegue brincar disso... E tome cuidado com o so...”
Mesmo ele não completando a frase, o proferido foi o bastante para Bilinda ficar em estado de choque momentâneo. Ouvira o nome ‘Sheila’ sem dúvidas, foi o adormecido Moses mesmo que esclareceu totalmente ela, repetindo o substantivo duas vezes! Só ela brincava daquilo... Ruby custou a acreditar que o quarto onde estava deitada havia sido palco de uma “diversão paralela” para Moses e outra menina, o custo fora mensurado através das lágrimas que rolaram em seu rosto. Antes que começasse a soluçar, ela resolveu sair do quarto silenciosamente e rumar para o banheiro. Misturando de uma forma surpreendente – até para ela – decepção com compaixão: Para Ruby e seus pais, o simples fato de não passar algumas noites dentro de casa seria equivalente a trair os intocáveis valores familiares, imaculados desde a raiz da árvore genealógica. Todavia ser uma pessoa recatada demais na sociedade em que vivia – mais especificamente na região em que morava – não deixaria de ser uma atitude ridícula. Ela levara isso ao relacionamento com Moses por muito tempo, e sabia que tanto ele quanto a turma de colegas riam dela pelas costas. Por que puxou tanto ao seu pai? Sistemático e sempre hesitante, submetendo-se a doutrinas invisíveis e permitindo que a sua vida o levasse e o rebaixasse em tudo o que fazia. Num estalo perante o espelho do lavabo, a filha do Sr. Locke descobrira que sua pele, exageradamente branca, era portadora daquele mal – uma doença hereditária. Bem, ela não freqüentava praias devido ao perigo de expor a falta de melanina; nunca ia às boates, graças ao imaginário violento e vulgar dos antros sociais noturnos, imposto por sua formação conservadora... Gostava apenas de um bom cinema, e gostava muito. Ruby montara uma teoria que tratava que o primeiro cinema do mundo devia ter sido construído por um casal de namorados. Se o primeiro filme da história rodado numa tela gigante era de romance ela não sabia, porém – independente do roteiro - tinha absoluta certeza que não havia lugar melhor para dois apaixonados do que o universo paralelo escuro das salas de exibição cinematográficas.
Ruby não queria acreditar que Moses estivesse “enjoado” dela e dos cinemas. Sheila seria diferente da monotonia, pois brincava... Ela não conhecia nenhuma Sheila e, mesmo se conhecesse, seu estado de covardia atual não permitiria que lembrasse... O fato que ela passou a encarar, a partir daquele dia, seria a necessidade de uma mudança em si mesma, sentia a permanência de sua adoração por Moses ainda depois dos murmúrios do rapaz sobre “a outra”, ou seja, o que Moses sentia por ela mantinha-se capaz de equilibrar todos os seus sentimentos pelo amado. Isso ficara comprovado no convite, vindo num buquê de violetas, que o garoto deu a ela na manhã passada. Fora uma elegante intimação para ela ir dormir acompanhada na YL. Debiega continuava claramente interessado em namorá-la. Sim, a noite que teve tinha o valor de um pedido de perdão! A receita do amor vinha ganhando cada vez mais nitidez para Ruby agora. Mas... Amor?
Repensando sozinha a sua relação com Moses enquanto vestia-se (não iria conseguir mais pegar no sono), a moça viu o Sol de domingo levantando-se e resolveu sair para espairecer. As estradas chegam ao ponto de secção na vida humana mais cedo ou mais tarde e a garota julgou que uma mudança de hábitos a faria muito bem. Ela lembrou - com vergonha – que nunca disse ‘eu te amo’ à Moses de maneira espontânea ou mesmo aleatória em três anos de namoro. Obviamente não seria bom falar uma frase tão impactante como esta nos primeiros meses de relação, mas dizer somente após em trocas de presentes esporádicas (Natal, páscoa e dia dos namorados) ao longo de quase quarenta meses não ficava bom também. Em sua cabeça, já estava decidido: Iria adotar uma nova personalidade visando agradar Moses e, se fosse possível, o mundo que a rodeava. Ruby lembrou-se que trancara a porta da YL por fora quando saiu e resolveu regressar. Surpresa, ela achou Moses acordado logo que empurrou a “portinha” (a porta da casa era parte do acesso ao estabelecimento), o rapaz a olhou de maneira aliviada... Mas virou um inquisidor repentinamente:
- Aonde é que você foi? – pela imagem do rosto, Moses nem tinha ido escovar os dentes.

- Fui ver se a padaria já tinha sido aberta. Queria comprar os pães de queijo que você tanto gosta, amor... Para agradecer a noite fantástica de ontem. – Ruby deu uma aula de como ser sistemática no momento propício. Comemorou a dissimulação perfeita com um aperto e um beijo nas mãos do namorado sonolento.

- Amor... Puxa, hoje é domingo! Aguarde um pouco que às sete horas abre uma perto do parque. – Moses não agia de forma perspicaz, mas sentiu que temia sobre tal desculpa ser irreal.

- Ah, sim... Então irei lá depois! Vá se lavar, amor! Que tal irmos à praia depois de tomarmos café? – Sugeriu Ruby de primeira.

Sem perceber, ela acordou definitivamente a inativa desconfiança de Moses. Nem ao menos preparou uma defensiva para os questionamentos que vieram a seguir:
- Ei garota, o que você fez com a minha namorada?... Praia? Ruby... Nem da areia você gosta! O que está acontecendo? – Moses adotou uma face de preocupação, mas seu tom de voz não estava alto. Favorecendo a formulação da segunda rodada para respostas precisas de Ruby.

- O Sol acabou de sair, não irá fazer mal nenhum a mim um mergulho na Porcelina, amor. Dando essa volta no quarteirão, recordei-me que só fomos uma vez lá, com a turma, e ficamos menos de uma hora... Nem precisa dizer que culpa foi minha, não banalize a verdade. Quero compensar aquela falta a você agora. Aproveitar nossa inspiração enquanto ela não cessa... – caprichando na entonação e nos carinhos, ela esperou a abertura da boca de Moses para ouvir as conseqüências de suas letras:

- Sim, vou ao banheiro então, comemos um pão e vamos ficar lá... Um pouco. Hoje eu tenho que arrumar as prateleiras aqui da loja. Mas o nosso tempo junto tem que render, Ruby.

Ruby ficou feliz externamente. Internamente, ela estava eufórica. O tempo deles dois juntos tinha que render! Ela viu muito significado naquelas palavras de Moses e, se dependesse dela, o tempo jamais seria inimigo... De preferência, nem amigo. Toda sua euforia retraída não a impediu obviamente de continuar agindo racionalmente:

- Esqueci que eu não tenho protetor solar... Temos de passar no mercado antes de ir à Porcelina. – Ruby gritou a fim de que Moses pudesse ouví-la, o berro vindo do banheiro em seguida deu a entender que o jovem captara a mensagem.

Porcelina atendia melhor pelo termo “o litoral universal”. Ao longo de sua extensão, havia de tudo que as melhores praias do planeta possuíam em termos naturais: As ondas do mar mantinham uma regularidade incrível em matéria de altura; permitindo que os surfistas a adorassem, os coqueiros eram abundantes e probabilidade de se achar tatuis, tartarugas e peixes superava de longe as expectativas em relação aos caranguejos ou águas-vivas. Mesmo inclusa num eixo muito urbanizado, aquela praia exercia um poder e um fascínio muito grande aos olhos das pessoas. A sujeira cumulativa que todo o tal progresso acelerado trouxe à cidade não a prejudicava: Era o único patrimônio mundial que Ruby e Moses podiam alcançar a pé e admirar “pessoalmente”.
Após tomar café, o casal saiu e procurou uma farmácia ou uma loja de conveniência aberta às seis e meia da manhã. E só encontraram o bronzeador num mercadinho numa das ruas de ligação a Porcelina – Ruby, sem conhecer profundamente a fragilidade de sua derme, comprou um de “fator 60” para garantir um bom escudo contra o ataque ultravioleta. A insolação significava o único perigo real que a Praia poderia oferecer – sim, nem a criminalidade ousava chegar perto da área de Porcelina. O folclore nacional dava àquele lugar histórias formidáveis e acabava aumentando sua aura misteriosa. Alheio ao ambiente, Moses tratou de curtir o descanso com Ruby durante três horas. Quando notou que a densidade demográfica começara a crescer, na mesma medida dos raios solares, ele chamou sua amada e despediu-se do mar. O saudável clima externo harmonizou o romance entre os dois, apesar de uma parte cerebral de Moses trabalhar negativamente, pois o fato do comportamento de Ruby inverter-se de um dia para o outro não passaria despercebido nem pela pessoa mais insensível do mundo. Será que ela fez alguma coisa capaz de Moses ficar decepcionado, ou será que foi ele próprio que deixou de fazer algo importante para agradá-la? Ou Ruby, racionalmente, tenta torturá-lo às avessas para ele lembrar e sentir-se o pior ser que existe? Moses odiava particularmente o dom humano de “esquecer”; então, pela incerteza, ele resolveu botar os panos na mesa logo enquanto andavam até a Youkoloko:
- Ruby... Bem... Você está convencida realmente de que queria ir à Praia? Está sinceramente realizada agora que foi à Porcelina?

- Claro que sim. Meu amor, hoje eu acordei respirando os mesmos ares e absorvendo novas idéias. Não conheço homem melhor que você, portanto, quero fazer com que a nossa história dure anos e anos. E seria difícil manter esse objetivo na prática sendo a mesma Ruby todo o tempo.

Moses respondeu de forma muito eloqüente (“huuumm...”). Morria de vontade de soltar uma resposta à altura daquela notícia, mas não conseguiu durante um minuto. Ele nunca criticou Ruby por seu jeito de ser, adorava sua inteligência elegante, seu andar mais contido – em relação à maioria das meninas – e como falava pouco, mas muito bem. Cogitou rapidamente se devia construir novas idéias também, para os dois “pombinhos” evoluírem juntos, abortando a idéia no momento em que conseguiu achar a pergunta certa:
- Seu estilo natural é o que mais me fascina... Você me promete que irá me surpreender sem mudar a sua... Essência?

Todo o período verbal de Moses não perdeu impacto nenhum, com o barulho do forte vento marítimo: Ele conseguiu trocar a expressão do rosto, preenchido por leves sardas, um pequenino nariz e grandes olhos verdes de Ruby elogiando à sua personalidade; e de quebra, seu questionamento veio fundado numa promessa. Todos os cálculos que a moça armara para conversar com Moses, naquele dia de domingo, caíram por terra. Ruby parou de andar e começara a chorar:
- Vo-Você nunca disse... Meu estilo é fa-fascinante... Obrigada, amor... Muito obrigada!... – Ela atirou-se em Moses, permitindo que ele quase caísse de costas na calçada – Não, eu não mudarei minha essência, eu prometo (beijos tortos na cara do namorado), eu prometo!

Nada como palavras combinadas de uso poético para comover o sexo feminino! Moses, mesmo tendo um Q.I. considerável, notou que veio um lampejo intelectual a ele ao falar “fascina” ou “essência”, que não eram palavras corriqueiras para ele. Mas no espaço de tempo em que pensara nisso (enquanto se recompunha do abraço impulsivo de Ruby), quis acreditar que os sintagmas surgiram graças à interação de longa data com uma menina inteligente – até acima da média, segundo os boletins escolares. Até porque ele achou que o motivo responsável por sua consciência vangloriar-se, com a investida afetuosa de Ruby, era justamente porque conseguira desestabilizar – por um momento inesquecível - aquela mente tão interessante.
- Então que assim seja. Amor... – Moses podia sentir-se vitorioso, mas claro que ficara emocionado quase tanto quanto Ruby – Nossos laços nunca irão se quebrar. Acabamos de dar uns bons nós nele.

- Não mude também a sua essência querido. Mesmo essas suas analogias não tendo sentido, eu as adoro! – E Ruby desatou a rir junto com o amado, de braços dados, dirigindo-se o para o que seria um domingo atarefado dentro de uma loja cheia de peixinhos dourados, pássaros e chinchilas. Um final peculiar para um conto de fadas tradicional, mas ideal para encerrar um princípio de pesadelo horrível que horas atrás a perturbara – um pesadelo batizado de ‘Sheila’.

Duas semanas depois, foi a vez de Moses passar a noite na casa de Ruby, apesar da grande distância entre os lares dos dois: O bairro Justine, onde localizava-se a Youkoloko, era geograficamente muito afastado de Medellia – região suburbana da cidade – conhecida como “bairro cinza” pelos forasteiros, já que havia sido um bairro de concentração industrial importante para a cidade em décadas passadas e que, naqueles tempos, só possuía o céu poluído e as casas quebradas dos ex-funcionários de tais fábricas inativas. “Maldito seja o progresso tecnológico!” e “Malditas são as barganhas capitalistas!” eram as frases favoritas dos pobres vovôs que ali viviam e gastavam o seu tempo contando sua história a de vida os netinhos. Sorte a de Ruby – e de Moses também – que sua casa não ficava próxima ao Morro Blank, local que abrigava o crescimento de uma favela: O tipo de comunidade identificada, já naquela época, ameaçadora igual a um cisto de câncer... Para a sociedade. A diferença é que a culpa de tal perigo se desenvolver não era dos “pacientes”, e sim de quem fazia (ou poderia fazer) o papel de médico.
Antes de Ruby cair de verdade no sono, o lado esquerdo da sua cama já estava roncando. Quando ela virou seu corpo para acariciar e adormecer abraçada ao seu namorado, o pesadelo retornou, invadindo seus maduros ouvidos:
“Sheila... Quero brincar disso de novo... É minha vez! vamos, Sheila... Isso é tão legal...” – Moses falara num murmúrio tão inteligível que até os pais de Ruby, se estivessem em casa, estariam sujeitos a escutá-lo uma vez perto da porta do quarto da filha – O casal tinha ido a um evento para funcionários da empresa onde o pai de Ruby trabalhava. Só voltavam no dia seguinte.

A verdade de Moses só aparecia nos sonhos? Não era possível... Ruby não se lembrava de uma vez ter ficado mais decepcionada do que naquele momento. Como assim “é tão legal...”?! Como assim “brincar disso de novo...”?! A vontade que a adolescente sentiu de acordar Moses com um soco no peito para condená-lo, repetindo as entorpecidas palavras dele, nasceu tão forte que ela achou impressionante o fato do namorado continuar dormindo calmamente... Preso em seu mundo de sonhos (brincadeiras?) enquanto uma fúria flamejante emanava de Ruby e talvez esquentasse o colchão em uns 50 graus centígrados. Antes das lágrimas mancharem o seu rosto albino, ela retirou-se do leito e foi à cozinha. Ela queria comer, mastigar alguma coisa... Queria cravar seus dentes em algo palatável a fim de não cogitar morder o pescoço de Moses e acabar diretamente com seu pesadelo particular; tentar acabar com a tal Sheila indiretamente... Quem diabos ela era? Pensou em telefonar a um dos amigos – os mais próximos do rapaz - justamente para perguntar o número de Sheila porque tinha que comentar um assunto com ela (bastava deixar claro ao amigo que Moses já havia apresentado uma à outra e que elas tinham um selecionado interesse em comum, e Ruby iria falar para Sheila algo muito interessante a respeito de tal gosto partilhado). Porém já passava de uma hora da manhã e até Ruby lembrar-se de uma preferência sua para usar – sorvete de flocos, violetas, mariposas... Qualquer uma – tornar-se-ia uma noite cansativa àquela mente incessantemente calculista. Ela fez o máximo para relaxar e parar com o imaginário de uma menina bonita junto a seu amado pulando no quarto dele e... Brincando. “Se Moses ainda sente algo especial por mim... Como ele pode ser tão hipócrita?! E logo comigo!” – Ruby gritava mentalmente, ficara desesperada sentada no sofá da sala. Fora traída pela pessoa que mais gostava e dependeu do inconsciente dela para saber de tal verdade. Moses e suas devidas confissões provavelmente não viriam até Ruby por livre e espontânea vontade nunca; assim, “de que adianta mudar? Não agrado mais o meu a... Esse moleque! De que adiantaria manter a minha essência se ele não deseja outra? Imbecil!” – síntese do turbilhão de raciocínios da jovem naquele instante. Apesar do incontável número de lágrimas que já tinha derramado em questão de segundos, ela arranjou forças para esfregar o braço nelas e concluir algo daquilo tudo, inspirado numa outra decisão de passado recente: “Não agrado mais a Moses... Mas posso agradar ao resto do mundo.”
Opa! Moses terminou o tratamento da cadela Donna. Ele pode considerar-se um homem semi-quase-bem-sucedido nos negócios, porque se tivesse um funcionário diferente de Aizaiah, a YL já poderia ter fechado as portas: O assistente sabe de cor todos os apetrechos médicos precisos para examinar cachorros de qualquer porte, e ainda teve a maior paciência de segurar uma poodlezinha irrequieta durante dez minutos - sendo que Moses não o paga para os serviços de aspecto veterinário. Codi não cansou de mostrar seu espírito prestativo, até ofereceu-se para dar adestramento gratuito à cachorrinha da senhora Mill quando terminasse o curso de aprendizado.
- É sério, querido Aizaiah? Você ensinaria minha Donninha a ficar mais calminha? Eu não faço idéia da melhor forma de agradecer! – A Senhora Mill guarda um amor tão cego pela cadelinha que atribuiu intensidade a uma característica inexistente em Donna; A quadrúpede não era calma, não mesmo.

- Bem, ainda devemos esperar o fim das minhas aulas de adestrador... Mas tenha certeza, madame Mill, que quando eu tirar o diploma do curso, a senhora será a primeira a saber.

Moses continuou a observar e admirar a facilidade com que Aizaiah lida, sem ficar incomodado, com os caprichos da senhora e seu bichinho todo aquele tempo. O trabalho constantemente os deixava exaustos, contudo com um auxiliar tão bom quanto Codi, era viável manter o ritmo sem reclamações. Quem mais sabia que o herdeiro Debiega sempre ficava mais cabisbaixo em determinada época do ano? Que, aliás, era a época em que eles estavam vivendo: Um ameno e recém-renascido junho.
- Ei, Moses... Está me ouvindo? Eu falei para você sobre o jantar que minha família irá fazer? – perguntou Aizaiah no momento que Moses despediu-se da fiel cliente, já fora do estabelecimento, com acenos e sorrisos amarelos.

- Jantar o quê? Não, rapaz... Não disse nada, acredite... Um jantar com sua família? – Moses não iria esquecer nenhuma palavra relevante que saísse da boca de Aizaiah jamais, até porque o menino nunca falava algo referente à sua família ou sua casa; Quando Moses não desabafava, só ouvia a voz do interlocutor por algum tópico sobre o costumeiro serviço.

- Sabe... Minha avó está visitando a cidade, ela veio do Norte e retornará para lá dentro de dois dias. Ela gostaria que fizéssemos um jantar familiar tradicional, mas desejou também que pudéssemos convidar os... Semelhantes mais chegados. Vale lembrar que você e meu pai não se vêem há um tempo, não é? – Por mais que essa questão tivesse um caráter mais íntimo, Aizaiah falou mantendo seus olhos focados nas prateleiras de alpiste e de brinquedos de uso felino.
- Bem, isso já não é comigo... Ele sabe onde me encontrar caso quisesse matar a saudade hehe... – O jeito que Moses desferiu esse comentário seria o suficiente para terminar a conversa. As piadas já não eram o seu forte e quis rir junto com alguém, mais novo, que levava as coisas mais a sério do que ele – quando na mesma idade. Codi se saiu bem, fingiu que não ouviu:

- Olha, o jantar será na minha casa mesmo, amanhã, às dez da noite. Você é a única pessoa quem eu convidei. Com licença... – Aizaiah dirigiu-se até a porta à esquerda da abertura que dá acesso às escadas da residência de Moses, possivelmente a fim de pegar algo que esqueceu na mesa de exames dos animais (a “Sala de Atendimento Médico”).

O administrador da YL não demorou a compreender o que Codi deixara no ar: Dizendo que Moses era a única pessoa a ser convidada, o garoto disse-lhe a palavra mágica - ”por favor” - da maneira sutil mais persuasiva que se pode imaginar. Debiega balançou a cabeça bem lentamente e subiu os degraus até o seu quarto. Agora ele teria que escolher qual seria a prioridade de sua atípica terça à noite: Ou ir, por pressão “amigável”, ao evento anual na praça ou jantar com a avó alheia. Ele custou a acreditar que Aizaiah, do zero, veio convidá-lo para uma reunião – a princípio – de família e amigos próximos. Por isso ficou um tanto sensibilizado; no mínimo mais sensível do que o costume... Não é nem porque o mês de junho representa o tempo gregoriano nesse momento; Moses sentia – melhor, temia – que sua vida atual estivesse gravemente incompleta, numa mistura de desorientação com arrependimento coberto com uma camada de fumaça, bem densa, que proibia que identificasse o(s) problema(s) nitidamente, em sua mente atolada em trabalho e estudos. O universitário iria morrer sem entender como as ditas matérias biomédicas tornavam-se mais complicadas a cada prova; ao compasso que toda a arte curativa, ou dos cuidados aos outros seres vivos, o seu falecido pai dominava com denodo invejável e sem documento algum que provasse toda a sua habilidade! Outra vez usando as palavras hieroglíficas de Derek Debiega “o que seu coração aprende não esquece, e o que sua mente esquece, destrói”.
Visto que parou defronte ao retrato da família mais uma vez, Moses afirmou, consigo mesmo, que em certo ponto de sua jornada teria que parar um pouco para decifrar as letras mais aéreas de seu pai. Mesmo ciente que, quando tal quebra-cabeça fosse desfeito, não permaneceria tão atento ao cheiro nem ao sabor dos ensinamentos dele provenientes. A foto à esquerda da lembrança é uma interrogação; Moses odeia olhá-la, mas a última coisa do mundo que ele faria era tirá-la daquela posição. Entretanto chocou, por um maldito impulso involuntário do pescoço, suas córneas na maior (e mais vistosa) imagem do corredor: Era a praia de Porcelina cobrindo o horizonte iluminado pelo Sol e por um rosto feminino jovial e sorridente, realçando uma paisagem perfeita de cartão postal, caso a garotinha não tivesse uma pele tão clara (na contramão do padrão de beleza predominante no país).
A felicidade contida no semblante da moça, armada com um palito de picolé na mão esquerda; e com uma mão direita feita para merchandising - Porque aquela postura de modelo apresentando a paisagem litorânea ficara brilhante – não inspirava nenhum sorriso recíproco na face de Moses havia muito tempo; Não era culpa da praia, nem das montanhas ao fundo, do picolé e nem da garota. A moldura negra que prendia aquele “pôster” na parede era o que denunciava o motivo da lágrima solitária do rapaz, na contemplação-relâmpago do retrato; tudo era culpa dos dizeres impressos, numa pequenina forma oval em relevo, abaixo da tela. Dizeres? Não... Melhor definindo, datas marcantes:



RUBY CYGNUS LOCKE

29/03/1989

20/06/2006



CAPÍTULO 1


A ABSOLUTA URGÊNCIA DO AGORA




O telefone de Yosef ocupado e Moses nem pegara o número do celular dele... Aliás, o fato de Moses não saber manejar um aparelho de celular serve de justificativa para a falta de interesse em tal código. A idéia era passar ao amigo o imprevisto que havia surgido; graças aquele convite de Aizaiah, gerando a possibilidade da não-presença do herdeiro Debiega na Praça à noite. Moses regressou à loja (ao térreo) e chamou seu auxiliar a fim de contar o que, outrora, seus colegas estavam combinando sobre a festa: A qual o caráter soava bem mais superficial do que o surpreendente jantar:
- Aizaiah, eu tentei falar agora a pouco com um amigo meu a respeito deste jantar... Porque eu pretendia ir à festa na Praça Rozendo, você sabe...

- Eu te falei que a reunião lá em casa será só às dez e meia da noite? – Aizaiah perguntou com um tom tão despretensioso que, provavelmente, por vontade dele, tanto faria se Moses fosse a sua casa ou não fosse: Informar a Moses que poderia comer em sua casa, junto a família Codi, fora uma missão que a sua avó o incumbiu.

O “patrão” captou a mensagem interrogativa morna de Aizaiah como se a frase, nua e crua, já orientasse uma decisão simples: “Se você quiser ir, vá; Se não quiser, ninguém vai obrigar”. Só não quis iniciar uma conversa prejudicial aos dois pelo simples caminho que se abriu. Agora estava viável bancar o social e visitar os conhecidos das épocas pueris. Não lembrava como era a fisionomia dos pais de Aizaiah, muito menos se o velho dele tivera aparecido na Youkoloko após a morte de Derek. Certamente, ter um flashback de memórias inativas, quando sua própria vida não anda pelo trajeto mais empolgante do mundo, parecia uma grande pedida. O Sol se pôs e Moses tratou de tomar um banho demorado, colocar a melhor roupa (segundo ele mesmo) e passar perfume. O encontro com Yosef, Win, e quem eles carregariam para curtir o lugar, seria às nove; dessa maneira, Moses dispõe de uma hora e meia a fim de “chegar junto” em Sabrina e de todo o apoio dos seus amigos para atingir esse feito; Um suporte espetacular de fornecer piadas sobre a conduta de Moses (ou Sabrina) durante a conversa e as fofocas de tal encontro pós-evento - tudo numa posição saudavelmente afastada do garoto e de seu alvo, claro. Aizaiah já tinha sido dispensado do expediente, e fechado o estabelecimento, dando antes a confirmação do seu endereço à Moses. A casa dos Codi situava-se seis quadras ao norte da Youkoloko, deixando o convidado concluir, pelo mapinha rabiscado por Aizaiah num pedaço de papel, que ficava a menos de dois quilômetros da Praça. Por um instante, Moses mentalmente visualizou que esse atribulado final da sua sexta-feira parecia ser fruto de uma conspiração organizada pelo tempo, pelo espaço e pela associação de moradores de Justine. Que imaginação! Moses largou de mão seus devaneios e foi repôr logo a comida dos hamsters... Com tudo certo dentro da loja – não contando os velhos problemas das paredes verde musgo descascando e minúsculas infiltrações – Moses saiu pela divisa do portão e encarou a escuridão crescente do céu. Estranhamente, a noite pareceu ter aparentado vontade de retribuir o olhar cuidadoso do rapaz para ela, exibindo, acontecimento logicamente incomum no meio urbano, várias estrelas cintilantes diante dele. Caramba, até o cosmos estaria envolvido numa conspiração?

Chegando perto da Praça, tudo o que os olhos de Moses absorveram foram luzes coloridas: A comprida Rua Rozendo estava enfeitada com muitas faixas vermelhas, cuja face e frases do religioso apareciam emanando toda a sua dignidade; um atributo conferido ao padre pelos livros didáticos de história. Agora divulgado em fitas, crucifixos... Todo o aparato capaz de ambientar uma via pública igual a uma Igreja em períodos de celebração. Ao fim da Rua, o largo circular (um lago aterrado havia décadas) que constituía a Praça, propriamente, perdera visualmente sua forma: Dezenas de barracas anunciando salgados, doces e bebidas ocupavam os pontos periféricos do lugar; e indicavam que não ficaria apinhado apenas de pessoas com barrigas vazias. No centro da Praça, havia uma estrutura armada e instrumentos musicais reluzentes (“tomara que a banda que fará o show não seja ruim” – pensou por um segundo Moses), porém, não iluminava tanto quanto as novas lâmpadas dos postes, num raio de cem metros – medida do diâmetro da Praça – que coreografavam tons de azul, verde, laranja e vermelho ao longo do evento; divertindo desde as crianças de colo até os senhores que, praticamente, moravam naquelas mesinhas de xadrez da Praça. Velhos estes que estariam espalhados nos bares das duas esquinas tangenciais ao círculo.

O número de pessoas no evento aumentava e o espaço diminuía a cada minuto, Moses partiu para o bar da direita (clientela formada por uma quantidade menor de idosos) e apurou a vista para analisar todas as mesas. Geralmente, quando Yosef arrumava-se melhor, encontraria seu colega pelo cabelo cheio de gel e por roupas bem passadas; nada a ver com o look normal de faculdade - de cabelo afro, óculos grandes e camisas largadas – e Win, bem... Quando ele queria impressionar a sociedade colocava uma blusa tão colada que, tacitamente, seus amigos podiam enxergar o seu estômago tremendo e até vestígios dos movimentos peristálticos. Apesar de possuir mais informação para achá-los, Debiega não os achou... A “galera” o viu primeiro:

- E olha o cara aí! Estamos aqui, Moses! Chega mais! – gritou Yosef, acenando com a mão como se ela fosse um ímã irresistível de atração humana.
Moses abaixou a cabeça e caminhou a passos vagarosos até o (seu) grupo de três pessoas: Além do banco vago, estavam lá Yosef, Win e um garoto aparentemente mal-encarado ao seu lado, com um olhar perfurante em cima de Moses; Vestia jeans adornado de uma corrente dourada na lateral, camisa branca colada e cabelo raspado... Seria facilmente confundido com um dançarino de rua no subúrbio da cidade. Moses sentou-se e esperou os “ataques”:
- E aí, já viu a Sabrina, cara? Já viu a Sabrina, cara? Já viu a Sabrina, cara!? – Win parecia um porquinho da Índia ávido por um pedaço de cenoura.

- Me deixe chegar primeiro, rapaz... Eu tinha de ver vocês aqui antes de tudo, não é? – Os três olhavam para Moses como se ele fosse um dos ratos de laboratório que usavam nas aulas da faculdade: analisando-o, comparando sua carcaça com o porte de modelo de Sabrina... Checando se ele era mesmo digno dela.

- De qualquer modo, podia ter dado uma olhadinha nos cantos da Praça, não é cara? – Yosef replicou, antecipando-se a um comentário que Win estava pronto a desferir.

- Tá, tá... Não vai me apresentar o seu amigo aí, Win? – Improvisou Moses para mudar de assunto por uns minutos.

- Ah sim, esse aqui é o Dylan. Nós nos conhecemos através do Nokeysa. – Win indicou o garoto “suburbano” com a cabeça, indicando que ele estendesse a mão para o “prometido” de Sabrina cumprimentá-lo.

Mexer nos serviços do Nokeysa tratava-se do passatempo mais utilizado pelas pessoas no mundo inteiro; quando dentro do mundo da Internet. Bastava um microcomputador conectado a rede e uma conta de e-mail para acessar um portal, que agia como uma imensa comunidade humano-cibernética. Do ponto de vista social, o Nokeysa nasceu a fim de servir como uma ferramenta de fácil manuseio (pela sua estrutura simples usando links), capaz de apresentar candidatos a novos amigos de forma dinâmica para o pessoal mais solitário; e, para reforçar os elos com velhos companheiros e outras pessoas – desconhecidas aparentemente - com os mesmos gostos (ou desgostos) do usuário: Há grupos de discussão dentro das várias comunidades no “portal azul bebê”, fornecedores de uma gama de conhecimento sobre músicas, livros, filmes, política ou opiniões pessoais a respeito de qualquer tema abordado. Muita gente já tinha iniciado um romance por ter conhecido alguém nos caminhos do Nokeysa (mesmo que o computador do amado/amada estivesse a quilômetros de distância): O aspecto físico/geográfico não influencia negativamente o portal... A Internet é um meio comunicativo acima desses detalhes técnicos. Moses estava lá, Yosef também, e Win mostrou que estava um passo a frente dos dois - em matéria de “novos contatos”:
- Quando eu falei que iria rolar a festa do Rozendo hoje, ele nem pensou duas vezes! Hahaha! Não é, Dylan?

- Tá ligado... Cara, eu já estava no pedaço (leia-se: Justine) por causa do meu serviço e resolvi ficar por aqui mesmo. Oras bolas, não é todo dia que tem uma festança dessas... Ha! – e forçou um sorrisinho amigável diante de Yosef e Moses. Porém, por mais que já tivesse notado que a presença chata do seu “novo amigo” Win - falando no seu cangote - fosse frustrante, ele sabia que suas chances de desenvolver uma conversa interessante, com dois universitários sérios, eram demasiadamente baixas.

- Ei, mano... Fala aí no que você trabalha para eles!... Aí, manda outro chopinho! – Win cutucou o ombro de Dylan e as costas da garçonete com a mesma força de elefante. O amigo do Nokeysa, que se via distraído pela beleza da atendente, não contava com outra saída a não ser falar:

- Eu sou Office-boy de uma empresa... Viro onze horas por dia indo de um lado para o outro, é legal porque conheço as regiões e atalhos da cidade. E hoje, vim aqui nesses lados para pegar um documento que não foi legitimado... Então, tirei folga com autorização do chefe. Hehe.

Finalmente Moses começou a pensar em algo, naquela dimensão social que o convocou, diferente de Sabrina e dos sentimentos dela... Dylan era perspicaz e energúmeno ao mesmo tempo, aquela conclusão servia a uma construção paradoxal e para uma tese notável: A ignorância alheia não é explicada por ele ter um cargo subalterno num trabalho e nem por achar alguma afinidade com um sujeito, tão alienado assim como Win, através da Internet. Veio na descrição de seus atos através do jeito de abrir a boca. Dylan não passa de um cara acomodado ao extremo; um cara que deve morar mal (“vim aqui nesses lados”) por morar bem longe de Justine (zona central), sofrer deveras devido ao excesso de tarefas (“onze horas por dia de um lado para o outro”) e ganhar um magro salário pelos serviços prestados (“... é legal porque conheço as regiões...”). Entretanto – na linguagem possivelmente favorita do “protagonista” Dylan – não largava o osso. O tipo de homem que não gostava de estudar, quando criança, levava críticas dos pais por causa da inadimplência escolar e pela preguiça – daí a necessidade de obter um emprego – e devia imaginar que a vida resumia-se em ganhar dinheiro para adquirir o celular/carro/relógio da moda e, não menos importante, usá-lo de ímã para atrair as “fêmeas”. Por via das dúvidas, Moses oportunamente soltou uma pergunta clichê para quando se conhece alguém, no mínimo, intrigante:
- Dylan, em que bairro você mora?

- Eu? Moro perto de Medellia, no bairro de Tenbrennan... Conhece? – O garoto devolveu a pergunta até com certa dose de atenção, coisa que Moses “esqueceu”.

- Não, não. Só de nome, só de nome.

Explicado. Tenbrennan, além do nome intrincado, indicava uma das zonas de acesso mais difíceis de toda a metrópole de Meladori. Medellia estava muito mais perto de Justine do que aquele bairro. De tanto que o sentido de “subúrbio” exercia poder sobre essa localidade, ela situava-se nos limites de fronteira municipal! Moses acertou em cheio seus (pré) conceitos sobre o jovem Office-boy. Internamente, passou a fazer autocrítica... Desde quando adotava uma postura tão analista/desconfiada com pessoas desconhecidas? De gente sistemática para desestabilizar o planeta, apenas a Rub...
Antes de dar corda a qualquer raciocínio socio-psico-metafísico que pudesse congestionar sua mente, e permitir a saída de uma lágrima criminosa, Moses pediu licença a Yosef, Win e Dylan a fim de ir ao banheiro. Sabrina aparecer no campo de visão do pessoal seria questão de poucos minutos; e isso tornava a “fuga” uma atitude criminosa também, pois matava dois coelhos com uma cajadada só...
Por dez minutos, ele tomou uma dose de liberdade (com aroma de pinho) no meio social, depois retornou. Ficar mais que cinco minutos no toalete masculino sempre foi, sempre é e sempre será esquisito; Todavia os três rapazes olhavam atentamente, pela janela inexistente do botequim, para um grupo de meninas que cochichavam avidamente. Moses entendeu que elas eram o alvo das seis córneas porque Win, como de praxe, estava apontando que nem um macaco de zoológico para um garotinho visitante com uma banana na mão. E mostrou-se mais tranquilo... Acomodou-se na cadeira sem que ninguém começasse a segunda bateria da “Temporada de Caça à Sabrina”.
- Que mina maravilhosa, meu Deus! – Por sorte, Win estava falando baixinho apenas para os outros dois gaviões, sinal de que não havia bebido tanto (ainda).

- Demais mesmo, cara... Nunca as vi pela área, acho que não moram por aqui... – Comentou Yosef, que adorava fazer uma corrida pelas ruas de Justine à noite e não perdia a oportunidade de fazer “novas amigas” ao vivo.

Moses, escutando tudo que o grupo murmurava, sentiu-se tentado a levantar a coluna e procurar avistar as meninas tão badaladas. Quando realizou a façanha, pôde ouvir Yosef dizendo despreocupadamente:
- Aquela mais alta se produziu que nem a Sabrina para vir! Mas está dando de dez nela!

Até a entrada do bar ficou pequena para o tamanho nervosismo de Moses. Sabrina está presente em algum lugar da festiva Praça, e em nenhuma outra etapa anterior de sua vida ele ia visualizar a imagem daquele bar, sujo e mal freqüentado, como o abrigo mais eficiente do mundo – no mínimo, a porção de mundo que cabia num raio de dois mil metros. Suas sinapses em cinco segundos elaboraram cinco planos destinados a impedir o iminente contato com o Furacão; Nenhum destes saíram nem pela culatra: Moses usou uma prematura idéia, concebida em um centésimo de segundo num ponto consciente do cérebro, para manter os ânimos da (sua) audiência estáveis:
- Turma, acho que eu vi um freguês antigo lá da Youko que faz tempo que não vai...

- Opa, você voltou?! De jeito nenhum! Vai atrás da Sabrina que ela já está no pedaço! Ah, claro, troca uma idéia com essa pessoa aí antes... E depois vai para o combate! – Win começou a ordenar antes mesmo de virar-se para ver Moses as suas costas. O giro de sua carcaça guiou a de Yosef, que só apoiou a declaração do pedante acenando positivamente a cabeça.

Não havia escapatória: Moses teria que se encontrar com Sabrina mesmo. Seu interesse particular beirava uns dez por cento, mas os espectadores já haviam pagado o ingresso do show, através dos copos de chope. A repercussão do espetáculo propagar-se-ia em Pindorama integralmente durante a próxima semana letiva... Seria o assunto mais importante para o andamento da Instituição, desde o caso do Reitor com a filha do professor de Química Analítica, encerrado por uma bela briga entre os docentes no meio do campus; transformou-se em fofoca cristalizada após três semanas de muita lenha numa fogueira borbulhante... Quando se vai comer o pão que o diabo amassa, é incrível ver quanta gente se oferece para assá-lo.
- Certo, certo! Não é preciso vir atrás de mim até avistar a Sabrina. Estou saindo... – Moses achou bem melhor cortar logo o pezinho de Win, que se moveu em direção a ele, a fim de empurrá-lo para fora do bar, antes que o ato fosse consumado. A paciência com o balofinho tinha um limite até para ele, e seu jeito de velho tratou de incomodá-lo nesta dedução.

Perante aquela sensação rara do dever para cumprir sem estímulo o suficiente, o dono da Youkoloko mediu com os olhos a distância entre as duas esquinas adjacentes à Praça. Torcia para que encontrasse Sabrina e a contemplasse por algum longo minuto. Desse jeito, finalmente decidiria se a estudante merecia agüentar ele e o seu bafo numa noite tão bela, Moses Debiega sabia que o problema daquilo o que rolou, do que está rolando, e do que irá rolar não se referia meramente a “bola” de Moses Debiega a um ser do sexo oposto; a bola que Sabrina dava para ele agregava um brilho largamente cobiçado – seguindo uma linha de pensamento machista.

- EI, MOSES! OLHA LÁ!

Verdade. Verdade dupla: Não existia sujeito tão inconveniente quanto Win num raio de quarenta mil quilômetros... E que Sabrina estava bem perto do Youko naquele crucial instante. Deslumbrante como nunca, o Furacão previu a ação locomotora do veterinário e cochichou algo ao pé do ouvido para as duas amigas que a escoltavam... Bastou o olhar direto após as risadinhas e os empurrõezinhos para Moses gelar; se ela vinha avançando até Moses, ele não poderia cogitar a hipótese de virar as costas ou de recuar um milímetro seus pés. Afinal, a platéia presente não iria perdoar! Sinapses, sinapses... Moses não tinha idéia de que a adrenalina exercia pressões negativas no organismo inteiro, as aulas de biologia não estavam abrangentes o suficiente... Sabrina lançou um olhar mais do que amistoso antes que ele pudesse se espantar com a rápida aproximação dela.
- Então, você veio mesmo, Mô? – Sabrina emendou essas palavras durante o intervalo dos dois beijos na bochecha de Moses.

“Mô”? Pela primeira vez na noite, Moses achou graça em alguma coisa. E é impossível rir de Sabrina: Maquiagem leve no rosto, rimando perfeitamente com um mini-short e uma blusa solta prateada (frente única?) deixando um par de ombros, perfeitos, livres para a curtição. A mais bela do evento, de longe. “Mô” imaginou que se o Padre Rozendo estivesse vivo, ia amarrar um crucifixo em volta do pescoço da bela e rezar trocentas ave-marias, dando duas voltas nas continhas do rosário, até Jesus tirar o pecado armazenado daquele corpo...
Privilegiado.

- Pu-puxa... Que bonita você está... Sa-sab...

Ih... Moses emperrou a fala até na hora de dizer o nome:
- Huumm... Hahaha! Que amor... Ninguém nunca me chamou de “Sa”, hehe.

Sabrina está tão a fim do garoto que qualquer veneno que ele prepare, ela o tomaria como chocolate quente no Pólo Sul no ato. Para Moses, o cenário não batia com o trágico fim da novela que vinha estrelando – aliás, da minissérie – cujos protagonistas não nasceram para ficarem juntos. E, como consequência, não iriam morrer não se ficassem também. Moses nunca torceu tanto para que Sabrina criptografasse sua cara envergonhada e finalizasse toda aquela ceninha com um exaustivo bofetão no seu rosto ou o famoso “você é patético”. Diretamente, as probabilidades de Sabrina – e toda sua beleza reformulada – “virar a noite” ao lado do veterinário e nem pensar em conversar com mais nenhum garoto, dentre os presentes que a “secavam” ali na área, era mínima.
- Daqui a pouquinho, a Sinopse vai tocar ali no palco principal... Vamos ver o show juntos? – Improvisou o Furacão, reanimando a conversa.

- Hã? É a Sinopse que vai tocar ali?

Sinopse seria uma banda de rock - nas palavras dos próprios integrantes - recém-formada e recém-novata no primeiro lugar das rádios que, pasmem, Moses apresentava um conhecimento vago sobre sua trajetória (justo elee;nunca ligado em música), já que, num passado muito recente, Aizaiah chegou à YL com um caderno do jornal Dial que o quinteto de músicos figurava na página central. Nesse dia, Aizaiah ficou ligeiramente irritado, em vista de toda a amostra de elogios desferidos, ao grupo “desses mauricinhos estúpidos”, ao longo da matéria para entreter os leitores - na puberdade - do Dial.
- Sim, fala sério, né, Mô? O novo som deles, acho que se chama “Altos Agitos”, é muito bom! Pela primeira vez a banda toca de graça, e nós vamos conferir eles tocando essa e as outras duas que estouraram! Ah não, vai ser demais... Estou indo pro palco e você vem comigo, vem!

- Mas, Sabrina... Tem que ser assim?...

- Hã?

- Opa... Desculpa. Digo...

Não tinha jeito de tirar a prensa hidráulica que estava esmagando o cérebro de Moses naquele instante; Se não bastasse não ter planos para dispensar Sabrina, a possibilidade de ver um grupo musical cujos membros se vestiam como filhotinhos mimados de poodles foi assustadoramente vislumbrada por ele... Pelo visto, Codi injetou-lhe uma solução ideal de repulsa a música ruim. A questão é... Convencer o furacão Sabrina a não ir para o gargarejo (centro da Praça), cujo espaço livre estava diminuindo gradativamente graças a um ônibus cheio de menininhas – e alguns garotinhos magrelos - que acabara de chegar ao “templo” do Padre Rozendo.
- É que... Essa banda Sinopse não faz uma trilha sonora propícia para acomodar o que eu queria te dizer.
E Moses sentiu uma cócega dolorosa no estômago; um golpe premonitório do que ocorreria, logo após a sua frase, foi concretizada através do rosto ruborizado de Sabrina:
- Me dizer?!... Me dizer o quê?... Digo, o quê exatamente, Mô?... – a garota não conseguiu disfarçar sua empolgação - ou sua surpresa – com a declaração do rapaz apenas olhando para os lados de forma inquietante. Truque melhor seria uma boa risada sobre qualquer bobagem corriqueira numa Praça à noite, como olhar um velho discutindo, exaltado, uma trapaça no jogo de buraco ou um mendigo escondendo o último biscoito recheado, de um pacote furtado, do menino de rua malabarista.

- Vamos para lá. – apontou Moses para o nordeste.

Aquele ponto da bússola indicava a escadaria para o seminário (desativado), que o Padre Rozendo passara praticamente toda a sua juventude. Porém, antes do primeiro degrau, o contorno da calçada era bastante largo e gangorras decoravam toda sua extensão. Devido à pujança artística da Sinopse já figurar no universo infanto-juvenil, não tinha nenhuma criança brincando nas tábuas.

Um palco adaptável às reais intenções de Moses e Sabrina.

O garoto a olhou como se acabasse de ter sido ordenado, por uma “força maligna”, para pendurar Sabrina num mastro bem grande utilizando uma corda banhada em álcool. E, não devendo ficar mais grave, o carrasco Moses iria ainda cantar o hino nacional ao término da “solenidade”.

- Meu Deus, eu quero demais saber como é o seu b... Ai! Nossa... O que você vai me dizer. - Ah, Sabrina... Se Moses fosse um tarado...

- Veja bem, Sabrina... É especial para mim estar com você esta noite, a-a-ainda mais eu já estando ciente do seu in...

"VOCÊ JUNTO A MIM, BABY! VOCÊ AGITA, BABY! E JUNTOS ASSIM NOS DAREMOS..."

Esse som ecoou forte no aparelho auditivo, e em todo no sistema nervoso, do pseudo casal encostado num escorregador. O celular do Furacão era o artigo mais colorido que o garoto já vira antes: A começar pela capa de proteção, cujo bibelô tinha 10 centímetros e seria um chaveiro - para as pessoas mais práticas. Mas o aparelho também não ficava atrás... Adesivos colantes na parte externa e esmalte - com um tom azul de sáfira - decorando as teclas numéricas internamente; Sabrina vislumbrou o visorzinho do telefone (preenchido por "Mamãe!") e, deixando Moses perplexo de vez, iniciou a dar pulinhos tímidos e abanando os punhos! Movimentos que amenizaram a careta, daquelas de quem vai chorar, nascendo no formoso rosto da moça.

- Ai, ai... Não! Não! Mô... Dê-me só um minutinho, por favor? Essa merd... Essa ligação é importante, é rapidinho! É rapidinho! Eu juro.

- Hã... Claro que sim, Sabrina, claro. Atenda.


O Furacão riu e desatou a andar para longe de Moses; uma mão segurando o celular e a outra dando tapas no vento em polvorosa: Sabrina ficara irritada com a mãe, por interromper aquele instante tão aguardado, e o garoto, incrédulo, começou a comparar os trejeitos incomuns da menina - vistos nos últimos segundos - com os de Win. Felizmente, caiu em si outra vez e preferiu rodear os brinquedos, absorto.

Sem raciocinar por um "minutinho" foi interpretado como um favor que Sabrina fez a ele; assim, depois que Moses retornou a assimilar vozes femininas na festa, soube exatamente como recapitular a conversa com a nutricionista. Ergueu a cabeça para a frente, esperando ver Sabrina a um palmo de distância, mas enganara-se... Surgiu outra menina perto do escorregador: Cabelos não muito longos, olhos pequenos, meio ferinos, e um corpo imaturo. Era esse o vulto principal no horizonte de Moses quando, por uma atração sorrateira, tal jovem andou decidida até ele; o garoto viu mais algumas meninas ao longe o encarando... Mas algo eliminou todo o "past continuous" de Debiega. Uma ação impensável:

- Por que sozinho, gracinha? Brinca aqui comig...

E a garota atacou os lábios de Moses, descontrolada. O abraço dela o envolveu até a alma; e o beijo motivou o garoto a usar os braços também... Para agarrá-la pela cintura. Nada de repulsa, a língua dela apenas sondava, levando Moses a fluir no encontro de bocas. Só "bocas"? A medida que apertava, com a mão direita, o lábio inferior da moça, Moses sentia o nível de extâse em seu sanuge se elevar. Seu organismo devia estar iluminado, pelo fogo mais inocente, e o coração encontrava-se em velocidade máxima. O tempo que o beijo durou foi significante (6 minutos), entretanto, para Moses, podia durar a noite inteira: Cadê a frieza de espírito? Onde se enfiou a desilusão da vida? O dono da YL podia sentir-se lesado por perder duas caracteristicas - antes nomeadas como "pontos fortes" por ele - naquela fração de hora; todavia, haveria ganho uma "coisa" que fora arrancada dele:

O senso de juventude.

Enxergando novamente o mundo real, Debiega pôde escutar a menina cochichando a ele:
- Não foi ruim como eu previ... Puxa vida, que bom que eu errei! (tascando um selinho em Moses e, em seguida, saltitando de volta para a festa).


- E-e-ei! Volta! Volta, eu quero...

Sabrina estava em pé, estática. Estatelada verticalmente à um metro de Moses. Nem daria para esconder dela, caso estivessem namorando: Ver aquele beijo de Moses numa "anônima" foi receber uma descarga de 1 milhão de volts. Suas feições ficaram estranhamente destroçadas; talvez não tanto quanto o seu superego. Ela fixou o Youko com um olhar lacrimoso e vermelho, baixou o pescoço e rumou para a esquina mais próxima - suas amigas deviam espiar tudo de lá - do parquinho. Moses correspondeu a "encarada" da semi-quase-ficante, mas não tremeu com o olho do Furacão: Ele permanecia adrenalinado; aguçado em rastrear a garota que lhe devolveu a esperança de viver, nem que sua palpitação cardíaca durasse apenas mais aquela noite. Inclusive, as possibilidades de ir dormir, em questão de horas, já estavam dando cócegas; ele não iria ser derrotado pelo sono. O sonho ali, na Praça, tornou-se um acontecimento decisivo.


- Meu irmãozinho! Como que é foi? Como rolou?! A Sabrina já está ali com as gurias, então aí... - Win brotou da terra, cambaleante; sedento por absorver a glória das vitórias alheias. Ele estava pendurado de modo tão dependente, no ombro de Dylan, que até indicaria que o evento encontrava-se "fraco", relativo ao número de mulheres ("princesas") em circulação.


- Se quer tanto saber, pergunte direto à ela. Vá para o inferno e não encha mais meu saco. respondeu educadamente Moses.
Embora Win e Dylan tivesem acabado de adotar uma cara de tacho bem hilária, o novo jovem dirigiu a palavra a Yosef com vivacidade:
- Yosef, viu uma garota com olhos de gato e cabelos de cerejeira? Hein? Hein? Ela tinha um tamanho mais ou menos assim, e...
A mudança de Moses era nítida. Yosef deixaria o queixo cair se não fosse dizer:
- Não, cara. Não vi. Eu só sei que a Sabrina está por ali...
- Pouco me importa! Onde está a moça que me beijou?! - Moses alteou o tom da voz para Yosef e ensaiou uma fuga estratégica da roda de amigos. Porém foi impedido por Dylan.
-Você está bem, cara?
- Larga rapaz! Deixa de ser besta... Vocês não tem ideia do que rolou aqui...
- Moses, não me lembro de ter te visto assim... Vamos voltar ao bar para comermos alguma coisa, quem sabe você se restabelece... Podemos descer pela rua da Praça e ir num restaurante...
- RESTAURANTE?
Um estalo no cerebelo de Moses conseguiu desviar sua concentração para outro tema: O jantar na casa dos Codi. Não tinha ideia de que horas seriam, contudo pressentiu que chegara a hora de dar o fora do evento. Inesquecível evento.
- Cara... Eu preciso sair, tenho que ir à casa do Aizaiah! FUI!
- Moses!... O QUE QUE TÁ PEGANDO?!
Win berrou em vão: Debiega deu um pique impressionante, furando a plateia do (fraco) show da Sinopse e todas as panelinhas de papo da festa em direção ao fim da rua, dobrando a esquerda na ladeira, sorriu descaradamente. O lar dos Codi aproximaria-se mais a cada passo veloz que ele desse. Moses parou, pôs as palmas das mãos no asfalto - como um velocista olímpico - levantou as pernas fazendo ângulo, respirou... E disparou! Jamais recordaria que fora um bom corredor na escola primária se não fosse aquela garota e aquele beijo... Iria encontrá-la novamente, nem que precisasse mover o Morro Blank ou cavar toda a areia de Porcelina. Num milésimo de segundo, Ruby invadiu a sua mente e o fez parar de maneira mortalmente súbita. Porém, oportuna.
Acabava de chegar, exatamente, na porta da casa de Aizaiah; reuniu forças e tocou a campainha.

...

(CLARO QUE) CONTINUA :)

domingo, 4 de outubro de 2009

QUERO MANDAR AGORA UM RECADINHO PRA VOCÊ DE CASA... COMPRE OUTRAS IDÉIAS!

Se possível, leia ouvindo os seguintes temas abaixo:

Hahaha! O Google serve para encontrar as melhores charges também!


"The Chase Is Better Than The Catch(1980) - Motörhead
"Tombstone Blues"(1965) - Bob Dylan
"Hyperballad"(1995) - Björk
"Zero"(1995) - Smashing Pumpkins
"The Sprawl"(1988) - Sonic Youth
"Urbana"(2007) - Ludov




Olha só, é uma promoção relâmpago, hein?! Apenas para quem tá lendo esse blog neste exato momento... As primeiras centenas de milhões de pessoas ganharão um passaporte exclusivo para visitar uma cabeça que suporta todas as investidas externas, seja da mídia ou da própria família, e mantém seu voto de não dependência de tais aparelhinhos multi-coloridos, multi-luminosos e multiplicados a cada dia em qualquer lugar!

O pior de tudo: Mesmo se eu pretendesse adquirir um na loja, nem saberia qual escolher, pois até nomes específicos (V3, V4, 2D, ZZZ666, NX1, 24G...) eles tem para confundir-me. Os tais telefones celulares são os novos animais de estimação desta última década; e vem reforçando seu título graças às crescentes novidades relativas ao número de funções agregadas ao "bichinho".

Cada vez mais, os telefonezinhos deixam o estigma de ferramentas andróides e assumem um papel importantíssimo no cotidiano humano globalizado. Talvez para um vagabundo como o autor deste texto, indubitamente o celular é uma chatice... Pode apitar/vibrar/acender em situações indesejáveis, pode explodir sua bateria com o acúmulo de energia elétrica, mas - aumentando os méritos daqueles arcaicos nerds de física com a sentença "a energia total do universo é constante" - torna-se ou uma fonte abundante de stress (Vai dizer que você não vai trabalhar sempre quando está exausto ou de mau humor? Stress é energia negativa, oras bolas!), ou um motivo a mais para migrar até o shopping. E pensar que é lá o berço de tudo...

Ricos e pobres, hoje, dentro de um Iguatemi desses por aí, possuem condições aquisitivas iguais. Ricos e pobres hoje compram celulares; o único fator apto a transformar as estatísticas nos moldes da velha pirâmide seria o tal plano de pagamento/conta/ligação/tarifa (sei lá, eu não uso essa m@#$%)... Entretanto, apesar do fato que digitar torpedos a mil por hora vire um esporte olímpico a qualquer momento, as facilidades que as massas dispõem a fim de levar aqueles produtos que veem nos outdoors que decoram nossas belas metrópoles estão progredindo constantemente: Não bastava o advento da fórmula "24x e juros zero no crediário" e derivados, a intimidade nascida entre os canais de comunicação e as empresas maníacas geraram essa epidemia conhecida como CONSUMISMO.



Essa não dá a idéia básica do texto, mas... LOL \o/


De sentido BEM diferente do termo parônimo "comunismo", o consumismo encaixa-se, claramente, no conhecido rótulo "um mal necessário". Sacam? Igual ao efeito estufa em seu estágio mais estável. Obviamente, o comércio de alimentos e roupas jamais pode parar, pelo bem da economia nacional, a consolidação do capitalismo predatório e tudo o mais... A epidemia consiste é no excesso do consumo.

ps.: ("Excesso de consumo? Não brincaaaaa") ¬¬


Convenhamos pessoal, qual é a diferença entre a roupa de liquidação dos "mercadões" a céu aberto (sim, as de 2/3/4/5 reais) e a que está numa vitrine do 3º andar do seu shopping favorito? Ah sim, o desenhinho na etiqueta? Legal... Isso eu consigo interpretar sem ressentimentos, sustentar a vaidade em detrimento da avareza. Tudo certo. Normal.


E qual a diferença entre o meu celular (um tal de Simens AF 51, que está rachado e sem conseguir ligar para ninguém... Eu acho) e o celular dos seus sonhos desde... Hoje? (Ao menos a velocidade que familiares meus conversam sobre esses aparelhos indicam que diariamente lançam algum modelo novo!) Será que o da moda já transforma-se em nave espacial? Aí seria útil! Pelo andar da carruagem, a Lua parece um bom lugar de se morar mesmo.


Os efeitos colaterais dessa doença consumista "celulariana" é o que mais me assusta... Os papos entre amigos/colegas/grupinhos/panelinhas giram em torno do novo bichinho e seus poderes; e disso, todos começam a falar da grife X, que fez uma roupa Y e ela vem junto com o novo perfume W por uma bagatela de . O afortunado que pode adquirir estes lançamentos, dentro da rodinha de bate-papo, vira o alvo dos comentários da primeira página em seu meio social. Você tem dúvidas que o sentido de "alvo" também estende-se para os ladrões e/ou invejosos de plantão? Tão logo, a valorização do ego acaba por acentuar as desigualdades sociais que, por hora, apenas nos fazem cócegas. A criminalidade mantém-se nos pesadelos das pessoas usando o consumismo como um alicerce também. Geralmente, nós cansamos de argumentar que a educação é a solução para acabar com o mal, a estrutura familiar é importantíssima e blábláblá... Mas, entrementes, quais de vocês jamais pensaram em bater em um professor por ser alguém irritante? Melhor ainda, quantos jamais deixaram de almoçar com os responsáveis num domingo? Nem nas novelas da "Grobo" (que só mostram "as elite" comendo até entupir o... Né?), os riquinhos vem fazendo refeições pacíficas com a mamãe...

Olha aí o resultado de tudo... Hahaha! É lamentável, mas a pura verdade...

O âmago do problema, em minha opinião, concentra-se no eterno poder da televisão: O elemento mais paradoxal que existe na sociedade. Dizer que o crime precisa ser combatido debaixo de duas asas (normas e reformas) e o combate deve ser isento de sentimentos negativos - ódio, inveja, vingança - e, logo em seguida, anunciar a nova câmera digital que é celular, ou vice-versa, capaz de tirar fotos no escuro, atravessar paredes, cuspir fogo, e outras mp3212657 utilidades, tem o mesmo efeito de prometer o combate ao turismo sexual/prostituição infanto-juvenil em nossas terras, incentivando a imagem dos carnavais de rua/micaretas para o mundo no mesmo compasso.

Estou parando por aqui, pois acredito que o meu raciocínio foi - finalmente - bem exposto neste texto. Mas, por favor, não deixem de me responder... Pra que diabos eu iria trocar meu celular antigo por um B3, B4 ou B12?!?!? Por favor mesmo, devo ter perdido meus (pouquíssimos) amigos e preciso ter ciência do que a Claro, a TIM, a Vivo e a Oi podem trazer, de bom, para mim.

(Daqui a pouco ocorrerá guerra entre essas potências, hein... Nós, no papel de marionetes, serviremos ainda de soldados...)


That's all folks,
See ya!