
"TRY, TRY, TRY" = ENSAIANDO O COMEÇO:
Afinal, quem ainda não havia ouvido alguma música da cantora mais promissora da província de Garbania? Em todo o país não se falava em outra coisa a não ser Jolene Soleil, de 19 anos, que emplacara três hits consecutivos nas rádios em Fellsbargo de norte a sul. Aqueles refrões “chiclete” e as coreografias chamativas seriam a alegria de todo aquele povo sofrido do interior, o berço de Jolene, se não fossem duas figurinhas conhecidas na região... Famosas pelo ócio e o mau humor. Eram os irmãos Mojo e Chi Sengupta. Cujo cotidiano resumia-se em uma palavra: Pesca.
- Ei, Mojo! Vamos lá! Acorde! Já são 3 da tarde! Só peguei quatro lambaris!
- Pára com isso, moleque... Sem pressa.
Levantando-se lentamente, o marmanjo lavou o rosto e pôs uma camisa. Não queria irritar mais o irmão caçula por um motivo banal, porque seus ouvidos iriam doer muito além da conta diária... Prova disso é o momento em que Mojo e Chi saíram do casebre e encararam a rua:
- “E lá vai o cara de nó!”
- “Ei! Vai fazer o quê com toda essa disposição? Caçar vitórias-régias? Cuidado hein!”
Chi não agüentava as zombarias que os comerciantes e os vizinhos fofoqueiros faziam com a imagem de seu irmão, talvez fosse por isso que também era meio ranzinza já aos 13 anos. Mas Mojo não estava muito aí para as pessoas que o cercavam. Como se estivesse conformado com a sua situação miserável de vida: Ele e seu irmão tinham que pegar peixes para sobreviverem. Após uma boa pescaria, eles traziam o velho freezer (o bem material mais caro que possuíam) para fora de casa e vendiam nos dias de sábado – com alguma sorte, a feira da cidade era na rua onde moravam. E, com mais sorte ainda, aquele dia era uma sexta-feira:
- Bem... Ao menos a piada do tio ali com vitórias-régias foi boa. – disse Mojo, para quebrar a monotonia de andar e respirar ao mesmo tempo.
- Prepare o molinete, Mojo! A correnteza vai nos ajudar! – Chi partiu correndo em direção ao rio, aprontando seus equipamentos.
- Então não são necessárias as varas... Tenha calma, guri.
Mojo abriu o bolsão que carregava e puxou uma enorme rede de pesca. Logicamente, por ser mais forte, trazia mais apetrechos para “diversão aquática” do que Chi. Evitava usar a rede, pois esporadicamente ela prendia em algum lixo sob a superfície do rio e rasgava-se. Por isso, Mojo improvisava sempre umas cinco varas a fim de melhor aproveitamento. Agora sim, eles conseguiram capturar dez peixes numa jogada, voltando muito satisfeitos com o próprio feito:
- Podemos pensar em comprar já o seu presente de catorze anos! – gritou Mojo, enquanto Chi ia correndo animado na frente puxando a rede com os peixes.
- Esqueceu que estamos em fevereiro? Eu farei catorze anos em setembro!
- Lembre-se que você é pobre, guri! – replicou Mojo, que mesmo sério, fez o irmão rir.
No caminho para casa, os garotos estavam bem alegres até que viram um avião sobrevoar suas cabeças. Eles não gostavam daquelas máquinas voadoras e rápidas, Mojo disse:
- Em abril vou tentar me alistar na Aeronáutica de novo. Tenho vinte anos e as chances são mil.
O pequeno Sengupta apenas olhou e reprovou a declaração com a cabeça. E marcou em sua agenda mental de fazer uma oração antes de dormir, agradecendo a grande pesca que fizeram.
Sábado amanheceu e os garotos anteciparam-se ao Sol: Haviam acordado às seis da manhã para limpar a varanda e trazer o freezer para fora de casa. Chi tinha visto no noticiário na noite anterior que o forte calor da semana iria provocar um domingo de chuvas na região. Torcia para isso acontecer mesmo: As pessoas ficariam em casa reunindo família e amigos... Comendo peixe! A venda no dia foi muito proveitosa, todas as 26 peças saíram do gelo. Só o noticiário de sábado entristeceu um pouco Chi: Parece que a chuva leve que caiu nos arredores da cidade no fim daquela tarde foi demais para um barranco que já ameaçava a estrada FB-084. Um grande ônibus desviou mal, caiu e matou quatro pessoas. O menino não viu a notícia completa, pois adormeceu...
Mojo acordou seu irmão com vontade no dia seguinte. Pois Chi tinha uma “missão” a cumprir após se despedir da sua preguiça dominical:
- Tem que ir entregar as marmitas dos caras que ficarão no posto da estrada 93, a dona daquele boteco da praça vai dar uma boa gratificação! – Mojo explicou, e em nenhum momento deixou de passar o seu total desinteresse com o descanso do seu irmão ou com a fome alheia. Apenas parou na porta do quartinho, esperando a resposta positiva de Chi.
O menino pegou o pacote com as marmitas, colocou atrás das costas e partiu sob o céu nublado. A rota 93 ficava nos limites da cidade e o posto de gasolina, precisamente, no meio do nada. Aproximando-se do lugar, Chi não avistou nada muito diferente: Uma pena, nas poucas vezes que foi até ali era o máximo de distância que ele havia se afastado do lar. Preocupou-se em encontrar o marido da dona do botequim depressa para entregar e retornar antes que começasse a chover. Quando o achou, iniciou-se aquela velha conversa com cumprimentos de praxe.
- Espere aqui, Chi. Vou pegar um troco para você. Muito obrigado pelo serviço.
Enquanto aguardava a gratidão do homem, Chi viu uma mulher muito bonita aproximando-se do balcão da loja de conveniência do posto. Os óculos escuros combinados com um casaco de couro e os cabelos lambidos denunciavam que ela era alguém “importante”. Ele notou que o balcão estava sem ninguém no momento (“o cara deve ter ido receber a quentinha dele”). Por isso, foi prestar sua atenção a moça avisando-a do pormenor:
- Bom dia, moça. O homem que fica aqui foi pegar uma coisa e já volta e... O que é aquilo? – O menino apontou para o ônibus enorme e colorido atrás da mulher. Era muito chamativo.
- Não tenho tempo para conversa fiada. Cadê o cara que atende? Jolene Soleil tem sede!
- Jolene?! Está falando da Jole... – exclamou Chi, com muita surpresa.
- Droga, abri a boca... Sim menino, Jolene Soleil está ali naquele ônibus, está cansada, triste e precisa de refrigerante! Temos que chegar à cidade Laika até as duas horas da tarde! Iremos almoçar, fazer outras tarefas que não estavam no script... Ó Deus!
A moça não viu Chi voar até a máquina de refrigerante do posto e trazer uma latinha. Ela falava nervosa ao celular e fez um sinal direto, um gesto indicando “Vai lá, bata na porta e entregue a lata ao motorista!”. Ele caminhou até o carro muito nervoso. Chi iria ver a popstar?
- Com licença, senhor motorista? Vim entregar isso a Jolene, porque a moça ali...
- NÃO ACREDITO! CHI! É VOCÊ!? – O espanto de Chi foi visível. Ouvira uma voz conhecida. Ele virou para trás e só pôde ver dois braços cheios de pulseiras o envolverem:
- Jo... Jolene! É você mesmo! O Mojo vai gostar de saber que você está aqui! – comunicou o emocionado Chi. Parecia que Jolene ficara apreensiva ao ouvir o nome de Mojo:
- Desculpe-me, mas sei que não vai... Desculpe também por fazer tanto tempo que não vou à Nanakettles também. Devo uma visita ao pessoal da cidade, e...
- Muito bem, partindo! Obrigado, amiguinho. Temos que chegar a Laika! Vai dar tudo certo, Len! – A moça de casaco entrou no ônibus batendo palmas discretamente, olhou para Chi com se fosse mais um fã e simulou empurrar Jolene para o interior do veículo.
- Calma, Isobel... Chi, essa é a minha amiga Isobel; ela é meu braço-direito, organiza meu dia-a-dia artístico. Prometo que irei lá o mais rápido possível, diga ao Mojo que quero vê-lo, e... Até logo, Chi! – e o beijou na bochecha. Isobel deu um “tchauzinho” a fim de o garoto sair logo.
Após voltar para casa, logicamente o irmão caçula de Mojo informou o ocorrido a ele:
- Mano, eu vi a Jolene! Ela está indo fazer show em Laika! Ela voltará aqui para te ver em breve, está com saudades de Nanakettles!
Deitado com o seu violão velho olhando para cima, Mojo apenas virou as córneas:
- E daí? Se ela pretende fazer show aqui, eu me mando para longe! Ninguém merece aquilo que ela canta, é uma vergonha... Nem para a cultura nacional, é para ela mesma.
Mojo meteu a mão debaixo do sofá encardido e tirou um pedaço de papel amarelado, havia diversas (e embaralhadas) anotações com caneta e lápis. Pela letra, se concluía que o escritor era uma menina.
- Avise-me quando voltar a escrever coisas como essas. Está certo, guri? - Mojo botou o violão no chão, jogou o corpo para a direita e fechou os olhos. Chi leu belos versos naquele papel.
Depois da fraca pesca da manhã de segunda-feira, “cara de nó” vinha voltando cabisbaixo – Chi estava na escola e só saía meio-dia e meia – mas mudou de semblante quando avistou um ônibus colorido em frente a sua casa. E surgia ao longe uma aglomeração correndo e os corpos de Chi e Jolene vinham na dianteira de todos, em disparada na direção do jovem pescador.
- MOJO! QUE BOM TE VER!... ENTRE RÁPIDO NA SUA CASA!
Por puro susto ou pela intensidade da voz, Mojo sentiu-se obrigado a acelerar e entrar em casa. Conseguiu isso um segundo antes dos fãs cidadãos de Nanakettles alcançarem a cantora.
- Que bom te ver, Mojo! – Soleil deu um abraço no rapaz e não obteve a retribuição esperada – O que há com você, por que essa cara de poucos amigos? Eu voltei!... Como foi a pesca?
- Não é da sua conta, é? – falou um Mojo bem irritado – É melhor você tirar essa droga de ônibus da frente da nossa maloca! Está atrapalhando o nosso Sol, lembra dele? O Sol que sabia de todas as nossas conversas, nossas caças, nossas canções... Ele continua esquentando a sua testa ou a maquiagem não deixa?
O irmão mais velho de Chi desejava cuspir o que estava guardado para Jolene, uma cantora pop adolescente, que declarava nas entrevistas os seus sonhos uma Fellsbargo sem pobreza e sem corrupção, mas a música que mostrava às pessoas não provava seus ideais; seus refrões ensinavam passos de dança ou falavam mal de um homem inexistente em sua vida (uma vez que Jolene alegava ser solteira). De repente, do portão sobressaiu-se no meio do povo uma voz com megafone:
- SOU EU, ISOBEL! DESEJO ENTRAR NESSA... RESIDÊNCIA! POR FAVOR!...
- Chi, vai lá abrir a porta. – pediu Mojo, antes que Jolene explicasse quem era a mulher.
Uma esbaforida Isobel veio até Jolene na sala da casa, Chi olhava ao redor e lamentava por estar um tanto sujo o ambiente. Olhou para Mojo e virou-se direto para a estrela:
- Estamos com sorte, moça... A prefeitura de Laika irá ceder o estádio da cidade para o seu show... A gravadora mandará o equipamento completo. Não irá acontecer mais o desastre de ontem. Nada de violões, nada de novidades. Teremos o bom Deus no céu e ProTools no palco de auxílio. Você é o que o seu público vê. E que loucura estes fãs daqui!
O jeito que os irmãos Sengupta se olharam indicou a Isobel que o assunto estava restrito:
- Anteontem... O ônibus que levava nossos equipamentos capotou em um acidente. O show morreu como nossos roadies. Jolene fecharia o evento de aniversário da cidade de Laika como a última atração, mas não conseguimos providenciar instrumentos e figurino de bailarinos de novo. Resultado: Jolene decidiu pegar um violão elétrico e ir ao palco para comunicar que faria um acústico especial. Ninguém sabia que ela tocava violão, ou mesmo soletrava "acordes"... Era novidade para ela própria também.
- Deixe-me adivinhar... Ela acabou com as músicas com total descoordenação motora. – Mojo deu um sorrisinho sarcástico. – Você nunca soube tocar e cantar ao mesmo tempo, Jolene.
- Eu tentei tocar! E olha aí... A criança que sonha em voar porque odeia a terra! Mantenha os pés no chão, garoto-pássaro! Não foi areia movediça que matou o tio Babun! – retorquiu Jolene.
Assim, gerou-se um momento de extrema tensão na salinha. Quebrado em segundos pela pergunta não-providencial de Isobel:
- Vocês dois... São namorados? – A interrogação veio com uma inocência inacreditável.
- Já fomos mais do que amigos há cinco atrás, mas... – Mojo era estupidamente sincero.
- Ótimo! É isso que você precisa, Len! – Isobel pegou o braço de Mojo e o puxou – Você vem comigo e vamos contatar a imprensa para informar sobre o namorado da estrela Jolene! Isso será o suficiente para o público esquecer as notícias vergonhosas de ontem. E você moça, pode ficar de folga hoje... Amanhã irá acordar cedo e ensaiar com os bailarinos para o show de sábado.
Mojo obedeceu bem relaxado a idéia de Isobel e saiu dali com ela... Jolene ficou atordoada com tudo aquilo e encarou Chi por um tempo até que a alegria bateu a porta:
- Vamos pescar e celebrar, Chi! – declarou Soleil – Eu voltei para casa!
Chi consentiu e ambos deram a volta pela porta dos fundos da casa. Os fãs não iriam ver Jolene se dependesse dos atalhos do menino para o rio. Às margens do lugar, os dois conversaram, subiram nas árvores, trocaram histórias... Pescar nunca foi o forte deles mesmo. Sete horas depois estavam eles de volta (Isobel tirou o ônibus dali, e o povo dispersou-se). E a agente e o “namorado” de Soleil encontravam-se sentados no sofá vendo televisão, Isobel parecia muito aborrecida.
- Divertiu-se, Len?... Tomara que sim. Sua carreira depois de hoje não será a mesma...
- Antes quero falar algo importante para você, Isobel. O próximo show será o último da minha turnê. Quero entrar em estúdio mês que vem para gravar um disco com músicas próprias.
- Então Len... É mesmo o fim da sua carreira. Esse rapaz aqui na entrevista que deu aos repórteres falou horas como vocês três viviam com o velho que os adotou: Brincavam, se sujavam, zombavam os famosos... Assim, minha idéia foi péssima. A gravadora chegou às vias com você!
Isobel ficou muito surpresa com a jovem, porém Chi e Mojo a olharam com orgulho.
- Eu me vendi muito fácil ao que a gravadora queria. Um rosto bonito, desenvoltura e essas coisas... Fiquei vulnerável depois do atropelamento do Tio Babun, fugi daqui e não vi como viver com dois irmãos que não eram parentes meus... Voltarei a escrever, tenho capacidade para tentar mudar a situação daqui. Entendo se não me quiserem mais. Mojo, Chi e eu somos uma banda, certo?
- Escreveremos canções com sentido, Len, pois não estamos sós. Como dizia o tio: A missão de quem quer levar cultura ao povo é deixá-lo forte de espírito. A partir de hoje, Nanakettles voltará a escutar outras melodias e novas letras. E um dia, a gente alcança nosso lugar nas estrelas.
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Até que a narração é legal, vai... :p
- Ei, Mojo! Vamos lá! Acorde! Já são 3 da tarde! Só peguei quatro lambaris!
- Pára com isso, moleque... Sem pressa.
Levantando-se lentamente, o marmanjo lavou o rosto e pôs uma camisa. Não queria irritar mais o irmão caçula por um motivo banal, porque seus ouvidos iriam doer muito além da conta diária... Prova disso é o momento em que Mojo e Chi saíram do casebre e encararam a rua:
- “E lá vai o cara de nó!”
- “Ei! Vai fazer o quê com toda essa disposição? Caçar vitórias-régias? Cuidado hein!”
Chi não agüentava as zombarias que os comerciantes e os vizinhos fofoqueiros faziam com a imagem de seu irmão, talvez fosse por isso que também era meio ranzinza já aos 13 anos. Mas Mojo não estava muito aí para as pessoas que o cercavam. Como se estivesse conformado com a sua situação miserável de vida: Ele e seu irmão tinham que pegar peixes para sobreviverem. Após uma boa pescaria, eles traziam o velho freezer (o bem material mais caro que possuíam) para fora de casa e vendiam nos dias de sábado – com alguma sorte, a feira da cidade era na rua onde moravam. E, com mais sorte ainda, aquele dia era uma sexta-feira:
- Bem... Ao menos a piada do tio ali com vitórias-régias foi boa. – disse Mojo, para quebrar a monotonia de andar e respirar ao mesmo tempo.
- Prepare o molinete, Mojo! A correnteza vai nos ajudar! – Chi partiu correndo em direção ao rio, aprontando seus equipamentos.
- Então não são necessárias as varas... Tenha calma, guri.
Mojo abriu o bolsão que carregava e puxou uma enorme rede de pesca. Logicamente, por ser mais forte, trazia mais apetrechos para “diversão aquática” do que Chi. Evitava usar a rede, pois esporadicamente ela prendia em algum lixo sob a superfície do rio e rasgava-se. Por isso, Mojo improvisava sempre umas cinco varas a fim de melhor aproveitamento. Agora sim, eles conseguiram capturar dez peixes numa jogada, voltando muito satisfeitos com o próprio feito:
- Podemos pensar em comprar já o seu presente de catorze anos! – gritou Mojo, enquanto Chi ia correndo animado na frente puxando a rede com os peixes.
- Esqueceu que estamos em fevereiro? Eu farei catorze anos em setembro!
- Lembre-se que você é pobre, guri! – replicou Mojo, que mesmo sério, fez o irmão rir.
No caminho para casa, os garotos estavam bem alegres até que viram um avião sobrevoar suas cabeças. Eles não gostavam daquelas máquinas voadoras e rápidas, Mojo disse:
- Em abril vou tentar me alistar na Aeronáutica de novo. Tenho vinte anos e as chances são mil.
O pequeno Sengupta apenas olhou e reprovou a declaração com a cabeça. E marcou em sua agenda mental de fazer uma oração antes de dormir, agradecendo a grande pesca que fizeram.
Sábado amanheceu e os garotos anteciparam-se ao Sol: Haviam acordado às seis da manhã para limpar a varanda e trazer o freezer para fora de casa. Chi tinha visto no noticiário na noite anterior que o forte calor da semana iria provocar um domingo de chuvas na região. Torcia para isso acontecer mesmo: As pessoas ficariam em casa reunindo família e amigos... Comendo peixe! A venda no dia foi muito proveitosa, todas as 26 peças saíram do gelo. Só o noticiário de sábado entristeceu um pouco Chi: Parece que a chuva leve que caiu nos arredores da cidade no fim daquela tarde foi demais para um barranco que já ameaçava a estrada FB-084. Um grande ônibus desviou mal, caiu e matou quatro pessoas. O menino não viu a notícia completa, pois adormeceu...
Mojo acordou seu irmão com vontade no dia seguinte. Pois Chi tinha uma “missão” a cumprir após se despedir da sua preguiça dominical:
- Tem que ir entregar as marmitas dos caras que ficarão no posto da estrada 93, a dona daquele boteco da praça vai dar uma boa gratificação! – Mojo explicou, e em nenhum momento deixou de passar o seu total desinteresse com o descanso do seu irmão ou com a fome alheia. Apenas parou na porta do quartinho, esperando a resposta positiva de Chi.
O menino pegou o pacote com as marmitas, colocou atrás das costas e partiu sob o céu nublado. A rota 93 ficava nos limites da cidade e o posto de gasolina, precisamente, no meio do nada. Aproximando-se do lugar, Chi não avistou nada muito diferente: Uma pena, nas poucas vezes que foi até ali era o máximo de distância que ele havia se afastado do lar. Preocupou-se em encontrar o marido da dona do botequim depressa para entregar e retornar antes que começasse a chover. Quando o achou, iniciou-se aquela velha conversa com cumprimentos de praxe.
- Espere aqui, Chi. Vou pegar um troco para você. Muito obrigado pelo serviço.
Enquanto aguardava a gratidão do homem, Chi viu uma mulher muito bonita aproximando-se do balcão da loja de conveniência do posto. Os óculos escuros combinados com um casaco de couro e os cabelos lambidos denunciavam que ela era alguém “importante”. Ele notou que o balcão estava sem ninguém no momento (“o cara deve ter ido receber a quentinha dele”). Por isso, foi prestar sua atenção a moça avisando-a do pormenor:
- Bom dia, moça. O homem que fica aqui foi pegar uma coisa e já volta e... O que é aquilo? – O menino apontou para o ônibus enorme e colorido atrás da mulher. Era muito chamativo.
- Não tenho tempo para conversa fiada. Cadê o cara que atende? Jolene Soleil tem sede!
- Jolene?! Está falando da Jole... – exclamou Chi, com muita surpresa.
- Droga, abri a boca... Sim menino, Jolene Soleil está ali naquele ônibus, está cansada, triste e precisa de refrigerante! Temos que chegar à cidade Laika até as duas horas da tarde! Iremos almoçar, fazer outras tarefas que não estavam no script... Ó Deus!
A moça não viu Chi voar até a máquina de refrigerante do posto e trazer uma latinha. Ela falava nervosa ao celular e fez um sinal direto, um gesto indicando “Vai lá, bata na porta e entregue a lata ao motorista!”. Ele caminhou até o carro muito nervoso. Chi iria ver a popstar?
- Com licença, senhor motorista? Vim entregar isso a Jolene, porque a moça ali...
- NÃO ACREDITO! CHI! É VOCÊ!? – O espanto de Chi foi visível. Ouvira uma voz conhecida. Ele virou para trás e só pôde ver dois braços cheios de pulseiras o envolverem:
- Jo... Jolene! É você mesmo! O Mojo vai gostar de saber que você está aqui! – comunicou o emocionado Chi. Parecia que Jolene ficara apreensiva ao ouvir o nome de Mojo:
- Desculpe-me, mas sei que não vai... Desculpe também por fazer tanto tempo que não vou à Nanakettles também. Devo uma visita ao pessoal da cidade, e...
- Muito bem, partindo! Obrigado, amiguinho. Temos que chegar a Laika! Vai dar tudo certo, Len! – A moça de casaco entrou no ônibus batendo palmas discretamente, olhou para Chi com se fosse mais um fã e simulou empurrar Jolene para o interior do veículo.
- Calma, Isobel... Chi, essa é a minha amiga Isobel; ela é meu braço-direito, organiza meu dia-a-dia artístico. Prometo que irei lá o mais rápido possível, diga ao Mojo que quero vê-lo, e... Até logo, Chi! – e o beijou na bochecha. Isobel deu um “tchauzinho” a fim de o garoto sair logo.
Após voltar para casa, logicamente o irmão caçula de Mojo informou o ocorrido a ele:
- Mano, eu vi a Jolene! Ela está indo fazer show em Laika! Ela voltará aqui para te ver em breve, está com saudades de Nanakettles!
Deitado com o seu violão velho olhando para cima, Mojo apenas virou as córneas:
- E daí? Se ela pretende fazer show aqui, eu me mando para longe! Ninguém merece aquilo que ela canta, é uma vergonha... Nem para a cultura nacional, é para ela mesma.
Mojo meteu a mão debaixo do sofá encardido e tirou um pedaço de papel amarelado, havia diversas (e embaralhadas) anotações com caneta e lápis. Pela letra, se concluía que o escritor era uma menina.
- Avise-me quando voltar a escrever coisas como essas. Está certo, guri? - Mojo botou o violão no chão, jogou o corpo para a direita e fechou os olhos. Chi leu belos versos naquele papel.
Depois da fraca pesca da manhã de segunda-feira, “cara de nó” vinha voltando cabisbaixo – Chi estava na escola e só saía meio-dia e meia – mas mudou de semblante quando avistou um ônibus colorido em frente a sua casa. E surgia ao longe uma aglomeração correndo e os corpos de Chi e Jolene vinham na dianteira de todos, em disparada na direção do jovem pescador.
- MOJO! QUE BOM TE VER!... ENTRE RÁPIDO NA SUA CASA!
Por puro susto ou pela intensidade da voz, Mojo sentiu-se obrigado a acelerar e entrar em casa. Conseguiu isso um segundo antes dos fãs cidadãos de Nanakettles alcançarem a cantora.
- Que bom te ver, Mojo! – Soleil deu um abraço no rapaz e não obteve a retribuição esperada – O que há com você, por que essa cara de poucos amigos? Eu voltei!... Como foi a pesca?
- Não é da sua conta, é? – falou um Mojo bem irritado – É melhor você tirar essa droga de ônibus da frente da nossa maloca! Está atrapalhando o nosso Sol, lembra dele? O Sol que sabia de todas as nossas conversas, nossas caças, nossas canções... Ele continua esquentando a sua testa ou a maquiagem não deixa?
O irmão mais velho de Chi desejava cuspir o que estava guardado para Jolene, uma cantora pop adolescente, que declarava nas entrevistas os seus sonhos uma Fellsbargo sem pobreza e sem corrupção, mas a música que mostrava às pessoas não provava seus ideais; seus refrões ensinavam passos de dança ou falavam mal de um homem inexistente em sua vida (uma vez que Jolene alegava ser solteira). De repente, do portão sobressaiu-se no meio do povo uma voz com megafone:
- SOU EU, ISOBEL! DESEJO ENTRAR NESSA... RESIDÊNCIA! POR FAVOR!...
- Chi, vai lá abrir a porta. – pediu Mojo, antes que Jolene explicasse quem era a mulher.
Uma esbaforida Isobel veio até Jolene na sala da casa, Chi olhava ao redor e lamentava por estar um tanto sujo o ambiente. Olhou para Mojo e virou-se direto para a estrela:
- Estamos com sorte, moça... A prefeitura de Laika irá ceder o estádio da cidade para o seu show... A gravadora mandará o equipamento completo. Não irá acontecer mais o desastre de ontem. Nada de violões, nada de novidades. Teremos o bom Deus no céu e ProTools no palco de auxílio. Você é o que o seu público vê. E que loucura estes fãs daqui!
O jeito que os irmãos Sengupta se olharam indicou a Isobel que o assunto estava restrito:
- Anteontem... O ônibus que levava nossos equipamentos capotou em um acidente. O show morreu como nossos roadies. Jolene fecharia o evento de aniversário da cidade de Laika como a última atração, mas não conseguimos providenciar instrumentos e figurino de bailarinos de novo. Resultado: Jolene decidiu pegar um violão elétrico e ir ao palco para comunicar que faria um acústico especial. Ninguém sabia que ela tocava violão, ou mesmo soletrava "acordes"... Era novidade para ela própria também.
- Deixe-me adivinhar... Ela acabou com as músicas com total descoordenação motora. – Mojo deu um sorrisinho sarcástico. – Você nunca soube tocar e cantar ao mesmo tempo, Jolene.
- Eu tentei tocar! E olha aí... A criança que sonha em voar porque odeia a terra! Mantenha os pés no chão, garoto-pássaro! Não foi areia movediça que matou o tio Babun! – retorquiu Jolene.
Assim, gerou-se um momento de extrema tensão na salinha. Quebrado em segundos pela pergunta não-providencial de Isobel:
- Vocês dois... São namorados? – A interrogação veio com uma inocência inacreditável.
- Já fomos mais do que amigos há cinco atrás, mas... – Mojo era estupidamente sincero.
- Ótimo! É isso que você precisa, Len! – Isobel pegou o braço de Mojo e o puxou – Você vem comigo e vamos contatar a imprensa para informar sobre o namorado da estrela Jolene! Isso será o suficiente para o público esquecer as notícias vergonhosas de ontem. E você moça, pode ficar de folga hoje... Amanhã irá acordar cedo e ensaiar com os bailarinos para o show de sábado.
Mojo obedeceu bem relaxado a idéia de Isobel e saiu dali com ela... Jolene ficou atordoada com tudo aquilo e encarou Chi por um tempo até que a alegria bateu a porta:
- Vamos pescar e celebrar, Chi! – declarou Soleil – Eu voltei para casa!
Chi consentiu e ambos deram a volta pela porta dos fundos da casa. Os fãs não iriam ver Jolene se dependesse dos atalhos do menino para o rio. Às margens do lugar, os dois conversaram, subiram nas árvores, trocaram histórias... Pescar nunca foi o forte deles mesmo. Sete horas depois estavam eles de volta (Isobel tirou o ônibus dali, e o povo dispersou-se). E a agente e o “namorado” de Soleil encontravam-se sentados no sofá vendo televisão, Isobel parecia muito aborrecida.
- Divertiu-se, Len?... Tomara que sim. Sua carreira depois de hoje não será a mesma...
- Antes quero falar algo importante para você, Isobel. O próximo show será o último da minha turnê. Quero entrar em estúdio mês que vem para gravar um disco com músicas próprias.
- Então Len... É mesmo o fim da sua carreira. Esse rapaz aqui na entrevista que deu aos repórteres falou horas como vocês três viviam com o velho que os adotou: Brincavam, se sujavam, zombavam os famosos... Assim, minha idéia foi péssima. A gravadora chegou às vias com você!
Isobel ficou muito surpresa com a jovem, porém Chi e Mojo a olharam com orgulho.
- Eu me vendi muito fácil ao que a gravadora queria. Um rosto bonito, desenvoltura e essas coisas... Fiquei vulnerável depois do atropelamento do Tio Babun, fugi daqui e não vi como viver com dois irmãos que não eram parentes meus... Voltarei a escrever, tenho capacidade para tentar mudar a situação daqui. Entendo se não me quiserem mais. Mojo, Chi e eu somos uma banda, certo?
- Escreveremos canções com sentido, Len, pois não estamos sós. Como dizia o tio: A missão de quem quer levar cultura ao povo é deixá-lo forte de espírito. A partir de hoje, Nanakettles voltará a escutar outras melodias e novas letras. E um dia, a gente alcança nosso lugar nas estrelas.
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Até que a narração é legal, vai... :p
2 comentários:
Tá mto legal *__*
Diz q a história vai ter continuação, diz! >.<
Sério, Iury, adorei! Não sabia que vc era um escritou tão bom assim =]
Não só a narração ficou boa, como também o conteúdo; não está cansativo, está leve e fácil de se ler.
Ah, e se quiser o orkut da Camila, eu passo pra vc ^^
Eu também criei um espaço para desafogar minha mente de vez em quando, mas nem chega perto de vc...
O endereço: http://izechi.spaces.live.com
Usei o espaço de blog do msn xDDD
E... Junte-se ao time, também não sou boa em reformular os layouts dos blogs ^^'
Por favor, avise-me quando atualizar, tá? Eu não tenho como ficar entrando para checar... Tô sem internet em casa e só acesso no trabalho, aí...
Bjinhos!
Realmente curti ! concordo com a ize no ponto de que é " leve " ^^
isso poderia ser o começo de um livro ou é apenas um trecho random ? xD
" A criança que sonha em voar porque odeia a terra... Deixe os pés no chão, garoto-pássaro! "
esse trecho tah mto foda xD
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